Doação ilegal rende multa recorde de R$ 30,8 milhões

Para juiz, Associação Imobiliária Brasileira foi usada pelo setor para driblar legislação na campanha eleitoral de 2008 em São Paulo

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Por Bruno Tavares
Atualização:

O juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1.ª Zona Eleitoral de São Paulo, multou a Associação Imobiliária Brasileira (AIB) em R$ 30,8 milhões por doações ilegais a candidatos e partidos na campanha eleitoral de 2008. Trata-se, segundo o Ministério Público, da maior multa já aplicadas pela Justiça Eleitoral brasileira. Cabe recurso ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.A AIB representa os interesses do mercado imobiliário - entre seus associados estão algumas das maiores incorporadoras do País, como Agra, Cyrella e Coelho da Fonseca. Nas eleições de 2008, a entidade desembolsou R$ 6,1 milhões para financiar as campanhas de candidatos a prefeito e vereador em São Paulo. Os comitês eleitorais de PSDB, PT, PV e PSC também receberam repasses.Contra as doações da AIB se insurgiu o promotor eleitoral Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Ele sustentava que a entidade era uma "fachada" do Secovi (sindicato da habitação). O artigo 24 da Lei 9.504/97 proíbe candidatos e partidos de receberem, direta ou indiretamente, recursos provenientes de entidades de classe ou sindicais. A legislação limita ainda o valor das doações a 2% do faturamento bruto do ano anterior.Na sentença de oito páginas, o juiz acolheu a tese da acusação. "Não é necessário nenhum esforço de intelecção para divisar na existência da AIB uma verdadeira fraude à lei, justamente para encobrir doações de eventuais fontes vedadas, entre elas entidade de classe ou sindical", escreveu Silveira. "É um simulacro de associação, que não tem atividade própria, funcionários e nem mesmo associados há, o que foi confessado pelo seu representante legal."Em depoimento à Justiça, o presidente da AIB, Sérgio Tavares Ferrador, admitiu que a entidade não exige ficha de inscrição, carteiras de identificação ou contribuição de seus associados. Ferrador chegou a dizer textualmente que "na verdade sequer há associados na AIB" e que a função da entidade seria agir como gestora dos interesses das incorporadoras."Partindo da premissa de que seus associados ou colaboradores poderiam, de per si, fazer doação aos candidatos e partidos, qual a razão de ser da AIB, já que não existe senão formalmente?", indaga o juiz. Silveira é categórico: "Verifica-se que a AIB, ao contrário do que alegado, atuou sim como interposta pessoa, sob o manto de categoria jurídica lícita, para efetuar doação em nome de quem não poderia, já que, em tese, nenhum dos associados ou colaboradores estaria proibido de doar individualmente".Sanha. Nos bastidores, o que se diz é que as incorporadoras decidiram usar a AIB para fazer as doações para escapar da "sanha" dos candidatos por recursos. Naquele ano, o mercado imobiliário vivia um dos melhores momentos de sua história, impulsionado pelo aumento da oferta de crédito para a compra da casa própria. Ao Estado, empresários do setor disseram imaginar que, "escondidos" sob o nome da AIB, poderiam fazer doações uniformes, sem serem incomodados individualmente. Para o promotor, a condenação deve representar um novo paradigma a ser adotado nas próximas eleições. Lopes lamentou que o valor da multa tenha de ser repassado ao Fundo Partidário, conforme prevê a legislação. "É uma pena porque decorre de uma doação ilícita. Mas pelo menos o valor será repartido entre todas as legendas, exceto aquelas beneficiadas pelos repasses da AIB em 2008", anotou.O advogado Vitorino Francisco Antunes Neto, que defende a AIB, disse que já esperava a decisão e que vai recorrer. "Respeito a sentença, mas o TRE já se manifestou sobre o assunto em várias representações e em todas elas disse que não há ilegalidade da AIB e muito menos que os recursos doados seriam do sindicato (Secovi)", assinalou. Antunes Neto criticou o que chamou de "demora do juiz". "Gostaria de entender por que ele levou seis meses para dar essa sentença."PARA LEMBRARO prefeito Gilberto Kassab e sua vice, Alda Marco Antonio, chegaram a ter seus mandatos cassados por receber recursos ilegais da AIB via comitê eleitoral. Além deles, 29 dos 55 vereadores paulistas receberam a mesma punição. Nenhum deles, porém, teve de deixar seus cargos, pois o recurso ao TRE tem efeito suspensivo.

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