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Documentos revelam a influência da Camorra na criação do PCC{HEADLINE}

Ensinamentos sobre o grupo mafioso napolitano foram passados por dois irmãos italianos em prisão de Taubaté

Por Josmar Jozino
Atualização:

O Primeiro Comando da Capital (PCC) aprendeu a se estruturar como empresa e sindicato do crime com integrantes da Camorra, um dos braços da máfia. As aulas foram ministradas pelos irmãos Bruno e Renato Torsi. Os camorristas ficaram presos quatro anos em São Paulo na década de 90. Em 1993, não só assistiram ao nascimento do PCC na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, no Vale do Paraíba, como ajudaram a organizar a maior facção criminosa paulista. Bruno, de 49 anos, e Renato, de 50, nasceram em Secondigliano, ao norte de Nápoles, a terra natal da Camorra. A cidade é citada no livro Gomorra, do jornalista italiano Roberto Saviano, que inspirou filme homônimo. Renato foi extraditado para a Itália em outubro de 1994 e seu irmão caçula, em janeiro de 1995. Da Penitenciária de Rebibbia, em Roma, os dois enviaram cartas e cartões-postais para o principal fundador do PCC. Mizael Aparecido da Silva, o Miza, um dos oito fundadores da facção criminosa, era o melhor amigo dos irmãos Torsi na prisão. Os laços de amizade se fortaleceram na Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, o berço do PCC. Mesmo após a extradição, os camorristas jamais se esqueceram de Mizael. Eles o chamavam de "irmão" - mesma forma de tratamento usada entre os integrantes do Primeiro Comando da Capital. A reportagem obteve dois cartões-postais enviados pelos Torsi para Mizael. Ambos são de Nápoles. Um deles tem a seguinte mensagem: "Aqui é onde nascemos. Eu e o Bruno. Para o meu amigo e irmão Mizael. Abraço com saudades, Renato." O outro cartão diz: "Mizael, é um grande prazer receber as suas notícias. Dê-me sempre suas notícias e o que precisar aqui na Itália e estiver ao meu alcançe (sic) é só falar, ok meu grande Brother?? Um abraço. Seus amigos Bruno e Renato." Os cartões foram escritos na Penitenciária de Rebibbia. Nenhum dos dois tem data. Em um, os irmãos Torsi mencionam o endereço do presídio na capital italiana. Bruno e Renato foram condenados a 28 anos pelo sequestro de um empresário italiano, em 1986. Eles receberam US$ 2,5 milhões de resgate. O irmão mais velho, Francesco Torsi, também participou da ação, mas, segundo versão da polícia italiana, acabou cercado e se matou para não ser preso. Uma autoridade do governo italiano, ligada ao Setor de Extradições, afirmou que, assim como no Brasil, onde os presos aproveitam a saída temporária para abandonar a prisão, os Torsi também se utilizaram de igual benefício judicial. Fugiram para Caracas, na Venezuela, e depois para São Paulo. Foragidos no Brasil, Bruno e Renato, chamados na Itália de Irmãos Metralha, trabalharam com loja de confecções. Em Santos, se estabeleceram no ramo imobiliário. A clandestinidade na capital paulista terminou em 18 de maio de 1990. Foram presos por agentes federais no apart-hotel Portinari, na Rua Bela Cintra, 196, Jardins, área nobre da zona sul. Os Torsi estavam com passaportes e documentos falsificados. A mesma autoridade italiana, que pediu para não ter o nome divulgado, disse acreditar que Renato e Bruno repassaram ao PCC o modelo da base de organização da Camorra. Ensinaram os integrantes da facção paulista a se associar, pagando uma taxa mensal. "O dinheiro do crime vai para um fundo, ajuda a família em caso de prisão dos sócios e também serve para assistência jurídica, o pagamento de advogados." Ainda de acordo com a autoridade italiana, os irmãos camorristas orientaram os integrantes do PCC a fortalecer a facção paulista como empresa. "A Camorra tem seguro-desemprego, seguro-saúde e seguro-legal. Corrompe juízes, guardas de presídios e policiais. Isso também é feito pelo PCC. O lucro é investido no fortalecimento das organizações." A autoridade italiana disse que o PCC já age nos mesmos moldes da Camorra. "Aprendeu graças ao contato com os camorristas na prisão brasileira. Assim como a Camorra, o PCC hoje investe em várias atividades, lava o dinheiro com o lucro obtido principalmente com o tráfico de drogas. Logo, logo não vai dar para saber qual investimento é lícito ou ilícito", advertiu. HISTÓRIA A Camorra é uma organização mafiosa da região da Campania e da cidade de Nápoles, na Itália. Suas atividades variam: agiotagem, extorsão, contrabando de cigarros, tráfico de drogas, importação irregular de carne, jogo clandestino e produção de cimento na região da Campania. É quase certo que a palavra vem da junção de capo (chefe) e morra (jogo de rua tradicional de Nápoles). A Camorra sempre foi muito integrada ao tecido social, sobretudo junto às camadas mais pobres, e uma de suas estratégias para ganhar prestígio é o clientelismo político. Imagina-se que a organização conte atualmente com cerca de 110 famílias e 7 mil afiliados, que movimentam por ano na Itália cerca de 587 milhões.

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