''É preciso aprender com os erros e as tragédias''

Especialistas apontam pelo menos cinco causas para os problemas em SC

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Por Bruno Paes Manso , Vitor Hugo Brandalise e Renato Machado
Atualização:

Desde que as duas enchentes históricas de 1983 e 1984 atingiram o Vale do Rio Itajaí, causando a morte de 43 pessoas, estudiosos de universidades locais passaram a se preocupar com a vulnerabilidade da região. Na semana passada, nove desses especialistas, professores da Fundação Universidade Regional de Blumenau e da Universidade Estadual de Santa Catarina, se reuniram para discutir as causas principais da enchente deste ano e sugerir providência. O Estado entrevistou anteontem a professora Beate Frank, que explicou o teor da conversa. Segundo ela, as principais causas da enchente podem ser resumidas em cinco: a quantidade de chuva na região, o local da concentração da chuva, o tipo de rocha do Vale do Itajaí, a forma como vem sendo feita a ocupação desordenada do local e o desmatamento da vegetação local, fatores que são detalhados abaixo. Na ressaca da tragédia, Beate afirma ver com ceticismo a promessa das autoridades em reconstruir a cidade. "Estamos cansados de ver a reconstrução repetindo os mesmos erros do passado. É preciso aprender com os erros. Está na hora de reinventarmos a região e erguer as cidades a partir das lições que tivemos". CHUVA Em quatro dias choveu 500 milímetros, o que significa 500 litros por metro quadrado, mais do que o dobro da enchente de 1984, causada por 200 mm. A média anual na região é de 1.500 mm. A quantidade de chuva, no entanto, não foi o único problema. Historicamente, as enchentes ocorrem a partir do alto do Vale do Itajaí, área de 8 mil quilômetros quadrados, formada por 30 cidades rurais. O sistema de alerta a enchentes, com monitoramento meteorológico e hidrológico, está todo concentrado nessa região. Quando chove no alto do Vale, a Defesa Civil tem pelo menos 24 horas para evitar o pior nas partes mais baixas. Na enchente deste ano, contudo, a chuva se concentrou no médio Vale do Itajaí, na região de Blumenau e no entorno. Não havia sistema de alerta nos rios dessa parte do Vale e não houve como se precaver. ROCHA As rochas que formam a encosta do vale são antigas, de 600 milhões a 2,4 bilhões de anos. Na região, não existem mais rochas sãs - são intemperizadas, decompostas ao longo dos anos e, com o tempo, se tornaram porosas e viraram barro. Além disso, esses solos são profundos, com 30 a 40 metros de espessura, sujeitos a se movimentar facilmente, situação que se potencializa por causa da inclinação das encostas, que chega a 70° de declive. CORTES DOS MORROS Se a declividade acentuada já não bastasse, as construções se tornam ainda mais vulneráveis por causa dos cortes feitos nas montanhas para a construção das casas. Os assentamentos usam a terraplenagem para deixar o terreno liso e construir imóveis. Esse retalhamento aumenta a instabilidade do solo. Morar em cima ou embaixo das encostas se torna muito arriscado. Na tragédia deste ano, desabaram casas de ricos e de pobres, algumas com mais de 50 anos de existência. Nos vôos aéreos feito pelos professores, o problema da ocupação desenfreada e do desmatamento se tornou evidente. Eles puderam constatar que houve desabamento em áreas sem casas e com matas nativas, o que mostra a vulnerabilidade do solo e a força das águas. Mas a proporção de avalanches foi incomparavelmente maior onde havia loteamentos e desmatamento. MATA ATLÂNTICA E CILIARES Por causa do declive acentuado das encostas, a ocupação do Vale do Itajaí ocorreu primeiramente nas margens e várzeas dos rios, o que causou o desmatamento de 90% das matas ciliares da região, tipo de vegetação que evita que as águas da chuva provoquem enxurradas. O Código Florestal, de 1965, limita a ocupação da margem dos rios. A legislação não impediu a construção da BR-470, que caiu dentro do rio e rompeu um gasoduto na altura da cidade de Gaspar. Já as encostas do Vale passaram a ser ocupadas ao longo do século passado, depois do adensamento da várzea, e cobertas pela mata atlântica. Trata-se de um tipo de vegetação relativamente abundante se comparada ao restante do País. Mas o desmatamento ocorrido com a ocupação da encosta foi suficiente para aumentar a vulnerabilidade do solo dos morros, já bastante acentuada por causa do tipo de solo local. PLANO DIRETOR As cidades do médio Vale do Itajaí fizeram planos diretores. Todas têm. Os municípios, contudo, priorizam a gestão do território. As limitações impostas pela natureza não são reconhecidas. Durante muito tempo, em Blumenau, vereadores eram loteadores. Como resultado, o interesse imobiliário acaba sendo priorizado e atualmente quase a metade da população da região do Vale do Itajaí vive nas encostas dos morros. Na reconstrução, espera-se a discussão de alternativas para um novo tipo de assentamento com menos riscos.

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