‘É uma dor terrível. É uma dor terrível’, grita mãe ao velar filha
Moradores de em Janaúba, no norte de Minas, continuam velando e enterrando os mortos da tragédia em creche municipal
Por Felipe Resk
Atualização:
São mais de 23h30 de sexta-feira, 6, e um homem encostado no muro consulta o relógio de pulso para conferir o atraso no velório, previsto para começar às 22 horas com a chegada do corpo da pequena Cecília Gonçalves Dias, de 4 anos, na casa da família, em Janaúba, no norte de Minas. Na casa da frente, um vizinho ouve forró nas alturas.
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Em uma rua de terra batida, precariamente iluminada por um único poste de luz, dezenas de moradores da cidade, que tem cerca de 70 mil habitantes, amigos e familiares estão reunidos para se despedir de uma das vítimas do incêndio na creche Gente Inocente, em uma cena que se tornou comum nos últimos dias. Do lado de fora da casa, há cerca de 20 pessoas. Dentro, outras 30 estão sentadas em cadeiras de plástico.
Trata-se da maior tragédia da história do município, com a morte de oito crianças, uma professora e do autor do crime - além de outras 13 pessoas que permancem em estado gravíssimo, internadas em hospitais.
Na manhã de quinta, 5, o vigilante Damião Soares dos Santos, de 50 anos, entrou na creche no momento em que a diretora, professores e alunos faziam os preparativos para a festa de dia das crianças. Em seguida, ele espalhou combustível e acendeu um palito de fósforo.
Cecília é uma das três crianças que foram socorridas com vida da creche e morreram depois no hospital. Ainda na quinta, ela chegou a ter o óbito divulgado pelo Corpo de Bombeiros de Minas, após sofrer uma parada cardiorrespiratória, mas a equipe médico conseguiu reanimá-la. Transferida para a Santa Casa de Montes Claros, não resistiu.
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"O médico chorou ao ler o laudo dela para a gente, ninguém se acostuma com essa situação", conta o pai Adilson Almeida Gonçalves, de 25 anos, enquanto aguarda em casa o carro funerário chegar, sem dormir desdr a tragédia. Ao lado dele, o pastor Pastor João Alves, que acompanha a família, o consola. "Vamos louvar agradecendo a Deus, para que traga conforto e consolo a todos."
Ao contrário de outras vítimas, Cecília não precisou ser velada com o caixão fechado. Os principais ferimentos que sofreu foi na região das costas, provocados pela queda do forro de PVC, que derreteu com as chamas. "A maior alegria da minha vida foi a chegada dessa menina", diz Gonçalves, sobre a filha única.
"Nós escolhemos velar em casa, é o lugar dela, onde sempre se divertia, onde sempre brincava", diz Gonçalves. Em bacias de plásticos, pouco menores do que um baú, os presentes circulam pão de queijo e biscoitos de polvilho. Também há café, chá e água. Os alimentos foram doados pela prefeitura e órgãos de segurança.
Mesmo com a chegada do caixão, às 0h27, posto em frente a um painel com cinco fotos da criança, Gonçalves mostrou uma serenidade que se estendeu até o sepultamento, na manhã seguinte. Sob medicamento, a mãe passou mal e chegou a se atirar no chão do cemitério. Só uma lágrima escapou do pai. Foi quando apontou para uma das fotos do painel, em que a criança, de lacinho rosa na cabeça, posa ao lado da mãe.
"Foi o último passeio que a gente fez, para ver uma competição de cavalo, no mês passado."
Tragédia em creche de Janaúba, em MG
1 / 27Tragédia em creche de Janaúba, em MG
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
A investigação da Polícia Civil aponta que ele teria premeditado o crime. Na casa do vigia foram achados galões com combustível. Foto: Fredson Souza/Estadão
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
Segundo a prefeitura de Janaúba, desde 2008 Santos era vigia noturno da escola. Ele tinha problemas mentais, estava sob tratamento médico e já havia s... Foto: Polícia Militar/Minas GeraisMais
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
O vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, chocou a cidade de Janaúba, a 559 quilômetros de Belo Horizonte, ao colocar fogo na creche Centro Munici... Foto: Fredson Souza/EstadãoMais
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
Viaturas, bombeiros, policiais militares e civis de ao menos cinco cidades foram acionados para ajudar no socorro das vítimas. Foto: Polícia Militar/Minas Gerais
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
Cerca de 50 alunos e professores estavam na creche no momento da tragédia. Foto: Polícia Militar/Minas Gerais
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
A comoção com o caso foi tão grande que o Hemocentro Hemominas de Montes Claros teve que ser fechado após o número de doadores exceder a capacidade do... Foto: Rosana Silva/ HemominasMais
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
Amigos e familiares das vítimas apreensivos sobre informações do lado de fora do Hospital Regional de Janaúba. Foto: Fredson Souza/Estadão
Incêndio em creche na cidade de Janaúba
Cortejo fúnebre da menina Ana Clara Ferreira Silva, de 4 anos Foto: Thiago Queiroz/Estadão
Sobreviventes
Wanderson dos Anjos Pena acompanha os filhos Italo e Webert, que sobreviveram à tragédia no Centro Municipal de Educação Infantil Gente Inocente, em J... Foto: Tiago Queiroz/EstadãoMais
Sobreviventes
O menino Murilo Ramos Dias, de 3 anos, foi um dos sobreviventes da tragédia em Janaúba Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Uma van escolar foi usada para transportar amigos ao enterro da menina Ana Clara Ferreira Silva, de 4 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Amigos chegam para acompanhar o enterro de Ana Clara Ferreira Silva, de 4 anos, uma das vítimas do incêndio criminal na creche Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Vários amigos de Ana Clara acompanharam a cerimônia Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Cenas do enterro da menina Ana Clara Ferreira Silva, de 4 anos, no Cemitério Campo da Paz em Janaúba (MG) Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Tristeza e comoção marcaram o enterro de Ana Clara, de apenas 4 anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Parentes e amigos acompanharam o enterro da menina Ana Clara Ferreira Silva, de 4 anos, no Cemitério Campo da Paz Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Flores e mensagens de apoio foram deixadas no túmulo de Ana Clara Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Enterro de Ana Clara Ferreira Silva
Parentes e amigos prestaram as últimas homenagens a Ana Clara Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Velório de Heley de Abreu Silva Batista
Com 90% do corpo queimado, a professora Heley foi velada com caixão fechado Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Heley de Abreu Silva Batista
Segundo familiares, a professora Heley de Abreu Silva Batista, de 43 anos, já havia perdido o filho mais velho, afogado na piscina de um clube, há cer... Foto: Tiago Queiroz/EstadãoMais
Heley de Abreu Silva Batista
Heley deixou outros três filhos, um bebê de um ano e dois adolescentes, além do marido Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Velório de Heley de Abreu Silva Batista
'Foi uma heroína. Nossa família é de professores e, quando assumimos uma sala de aula, damos a vida pelos alunos, no sentido figurado. Ela deu, de fat... Foto: Tiago Queiroz/EstadãoMais
Velório de Heley de Abreu Silva Batista
'Ela amava todas as crianças como se fossem filhas delas', afirma a professora Doralice de Abreu, colega de Heley de Abreu Silva Batista Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Velório de Heley de Abreu Silva Batista
Segundo testemunhas, a professora Heley tentava socorrer as crianças em meio ao incêndio, quando percebeu que o vigilante estava retornando ao local, ... Foto: Tiago Queiroz/EstadãoMais
Velório de Heley de Abreu Silva Batista
Crianças levaram flores para homenagear a professora Heley de Abreu Silva Batista Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Janaúba
O prefeito de Janaúba, Carlos Isaildon Mendes (PSDB), acompanhou os resgates e homanagens às vítimas do incêndio criminoso na creche Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Janaúba
O coronel Primo, do Corpo de Bombeiros, foi um dos responsáveis por resgatar as crianças atingidas pelas chamas na creche Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Dor. Logo após deixar o corpo de Cecília em casa, o carro funerário seguiu poucos metros até onde outras dezenas de pessoas aguardavam para o velório de Yasmin Medeiros Sabino, também de 4 anos. Com o calor, apesar do avanço das horas, os homens usavam bermuda e chinelo; as mulheres, vestidos floridos.
Com a parada do veículo, adultos aproveitaram para tirar, carregando no colo, as crianças menores. A menina, que teve 90% do corpo queimado, era criada só pela mãe, que gritava prolongados "ais", em meio ao silêncio e fungados de choro dos outros. "Você não está entendo", repetia, ao lado do caixão."É uma dor terrível. É uma dor terrível."