Eles namoram há muitos anos e não acham o casamento necessário

Casais que estão sempre juntos, em festas familiares e até férias de crianças, mas não moram sob o mesmo teto

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Por Valéria França
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Há casais que se conhecem, apaixonam-se, namoram e são felizes assim, sem ter de morar juntos. Para isso deixam de lado conservadoras aspirações românticas, abrindo mão de um cotidiano que implicaria dormir na mesma cama todos os dias, dividir as contas do mês e discutir pequenos problemas domésticos. O que não impede que estejam sempre juntos, na piscina do prédio, nas festas familiares e até nas férias das crianças - sim, muitos têm filhos desta ou de outra união. Enfim, levam uma rotina de marido e mulher, mas como se fossem eternos namorados. Dez anos é o tempo que dura o namoro dos professores universitários José Varela, de 65 anos, e Ana Lúcia Machado, de 53. Foi durante uma caminhada num parque de Araraquara, interior de São Paulo, onde moram, que os dois se conheceram. "Tenho uma maneira diferente de me organizar", diz o professor. "Ela é mais organizada e detalhista; eu, mais bagunceiro e objetivo. Vivemos juntos sem perder a individualidade." Varela já foi casado. Dessa união vieram dois filhos e, mais recentemente, três netos. "Como ela não teve filhos, achei que não precisava participar de alguns problemas, normais de quem já carrega uma família. "A fórmula até agora deu certo. "Estamos juntos por amor e não por necessidade." Para olhos mais conservadores, tanta independência pode significar um afrouxamento dos laços. É verdade que, quando não estão em jogo divisão de bens e pensão alimentícia, a separação fica mais fácil. "Mas se você está num casamento apenas por conveniência, significa que a relação não vai bem", diz Taki Cordás, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. NOVOS TEMPOS "O conceito de casamento mudou muito", avalia Rosa Maria Macedo, professora de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. "Os antigos valores estão sendo repensados e não deixados de lado. Estão surgindo novas formas de relacionamento", diz Dorli Kamkhagi, psicanalista do Instituto de Psiquiatria do HC. Esse novo tipo de união, que mais parece um eterno namoro, não é exatamente a fórmula proposta pelos filósofos franceses Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, que durante 51 anos viveram juntos, mas numa condição amorosa que excluía, além do casamento, fidelidade, filhos e patrimônio. Trata-se de uma versão light desse ideal, apenas com tetos separados. A economista Renata Silveira Correa, de 51 anos, e o promotor de Justiça Eduardo Rheingantz, de 52, namoram há 18 anos. "Nossa fórmula é o contrário da normal. Mas nos encontramos com mais frequência do que casais que vivem sob o mesmo teto." Detalhe: os dois vivem no mesmo prédio. "É uma relação que já começou na maturidade. Cada um tinha uma história e um ritmo de vida", explica Renata, que já era mãe de Felipe, de 5 anos, e de Helena, de 8 anos, a mesma idade de Joana, filha de Rheingantz. "Não tivemos desvantagem nenhuma em morar em casas diferentes. Somos felizes e continuamos a comemorar o Dia dos Namorados. Eu sempre dou presente. Ela também", conta. Os especialistas avisam que a qualidade é mais importante do que o formato da relação. "Tive casais no meu consultório que, depois da separação, resolveram namorar e estão bem juntos, mas em casas separadas", diz Cordás. "Todo relacionamento tem um contrato implícito e, para dar certo, é preciso que o casal tenha as mesmas expectativas." Se um quer morar junto e outro não, a frustração leva ao desgaste da relação. A ânsia de liberdade pode parecer ao outro falta de amor, mesmo que não seja. "Gosto de ficar sozinha, de ter tempo para ler e de cuidar do meu desenvolvimento espiritual", diz a crítica literária Maria Claudia Araújo, de 37 anos, que mora em São José dos Campos, interior de São Paulo, e namora há 14 anos o finlandês Matti Juhani Aalto, de 52. Os dois se conheceram no Chile. Ele já morou no Brasil e no México, por motivos de trabalho. "Matti já me pediu em casamento. Sou apaixonada, mas não quero, pelo menos agora, levar crianças para o colégio e ter de adaptar minha rotina", explica Maria Claudia. Matti vem ao Brasil de dois em dois meses. "Mas posso mudar de ideia no futuro. Meu namorado é um lorde."

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