Eles não entendem bem como estão vivos

Funcionários do prédio da TAM falam sobre a tragédia do Airbus

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Por Valéria França
Atualização:

Alguns ainda não se recuperaram completamente. Outros estão bem e festejam o fato de terem sobrevivido ao maior acidente aéreo da história do País. A queda do avião da TAM, dia 17, sobre o prédio da mesma companhia, localizado a poucos metros da cabeceira da pista principal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, deixou um saldo de cento e quatro corpos, até ontem, identificados pelo Instituto Médico-Legal. A maioria dos funcionários que estava no prédio sobreviveu. Como e por que nem eles sabem responder. Sorte, milagre e destino são algumas das explicações que aparecem em relatos emocionados sobre o dia do acidente. "É difícil mesmo entender a fatalidade. Por que seu colega de trabalho morre e você consegue sair com vida, sem nenhum arranhão, sendo que os dois estão no mesmo local e hora do acidente?", pergunta Antonio Lemos, de 51 anos, responsável pelos 400 funcionários que trabalhavam no prédio. Lemos estava em sua sala, no térreo, quando o prédio foi atingido pelo Airbus. Ele sentiu o edifício tremer, caíram alguns pedaços do forro do teto e, em seguida, ele ouviu gente gritando que era "um avião". "Saí da sala correndo e vi a barriga da aeronave no meio do prédio. Ela já estava em chamas. Próximo, um colega caído no chão, morto. Era Osvaldo Luiz Souza, um colaborador da empresa, que aparecia lá todos os dias às 18h30 para entregar carga." Lemos não sofreu um arranhão, mas não se conforma. Depois do acidente, reuniu a equipe e pediu a todos que aproveitassem a vida, que abraçassem mais seus filhos e mulheres. Lemos perdeu um funcionário e grande amigo, o gerente José Antonio Rodrigues Santos Silva, levado ainda com vida para o hospital. Ele estava no segundo andar, próximo ao ascensorista Renato Santos Soares, de 32 anos, e ao assistente de diretor Fabricio Nicolletti. Os três saíram juntos pela escada Magirus, mas Santos morreu no hospital. Os outros dois estão bem. "Se o avião caísse mais cedo, teria morrido mais gente. Era hora da troca de turno, estavam apenas os plantonistas, cerca de 50 funcionários." Dos funcionários do prédio da TAM, seis estão desaparecidos e quatro morreram. MISSÃO DIVINA Outro sobrevivente, o motoboy Gerson Antônio da Rocha, baiano, de 33 anos, tem certeza de que foi salvo por Deus. "Ele me deu mais uma oportunidade e agora tenho de descobrir qual é a minha missão." Rocha estava no fim do expediente, pronto para bater o cartão. "Quando olhei, vi fogo para todos os lados. Achei que minha sentença de morte estava decretada. Olhei para o fogo e gritei ?Deus recebe a minha alma!?. Então senti um vento e escutei uma voz. Acho que era de Deus. Ela dizia ?anda?, ?corre?." Sem enxergar o caminho, Rocha atravessou a cortina de fogo. "Mesmo vendo os bombeiros, o resgate e até colegas de trabalho do lado de fora do prédio, achei que estava morto." Rocha teve queimaduras de primeiro e segundo graus no rosto. Ficou sem os cílios e as sobrancelhas. Ficou internado durante três dias. Uma vez em casa - ele mora com a mãe e o irmão no Capão Redondo, na zona sul da capital -, começaram os pesadelos. "Acordava assustado. Na terça-feira, sonhei com vários rostos no céu. Eles estavam felizes", diz, aliviado. NOSSA SENHORA Ninguém acredita como a despachante de carga Eunice Coelho, de 44 anos, conseguiu escapar do prédio. Ela estava na sala de operações, um escritório pequeno, com capacidade para oito pessoas, todo de vidro, localizado no meio do depósito. "Houve uma explosão e uma bola de fogo veio de encontro à parede de vidro", conta Eunice. "Pensei em muita coisa. As pessoas gritavam para eu correr. Como não podia ajudar ninguém, fugi." Mesmo com aparelho na perna esquerda - ela teve poliomielite na infância -, Eunice tentou correr. Caiu e deslocou o cotovelo, mas levantou-se e saiu do prédio. Em estado de choque, Eunice foi colocada na ambulância com mais quatro pessoas. Só então escutou o celular tocando. Eram seus familiares desesperados em busca de notícias. "Consegui dizer apenas que estava viva." Eunice teve a real noção do que acontecera ao ver a cena do lado de fora do prédio. "Pensei nos meus colegas, que estavam lá dentro. Vi a correria para tirar meu chefe, o Bira (Ubiratan Carvalho). Pensei em voltar para ajudar, mas, se voltasse, morreria", diz ela. "Aos poucos estou digerindo os fatos. Sou uma sobrevivente e a vida continua. Estar viva é muito bom. " SALVO PELOS AMIGOS O despachante líder Ubiratan Carvalho, de 30 anos, tem de agradecer aos amigos por estar vivo. "Quando o Airbus entrou no prédio, uma parede foi atirada a seis metros de distância. E caiu em cima do Bira", conta Lemos, que fez de tudo para resgatá-lo. "Vi alguém de baixo de uma parede, mas não dava para ver o rosto. Mas havia um braço esticado, que agarrou a barra da calça de um de nós quando passamos." Os destroços ao lado funcionaram como calço, impedindo que fosse esmagado. Para mover a parede foi necessária uma paleteira (uma espécie de empilhadeira). No hospital, Ubiratan ficou internado seis dias na UTI. Teve uma costela quebrada e passou por uma cirurgia na boca. Voltou para casa na quarta-feira. "Ele está muito abalado. Não tem condições de falar sobre o acidente", diz a mulher, Marizan.

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