Eliana é o Mano Brown da favela da Daslu

PUBLICIDADE

Por
Atualização:

O mundo dá voltas, como diz o outro. No caso de Eliana Tranchesi, foram duas. Há quatro anos, a revista Carta Capital entrevistou a dona da Daslu. Por padrão, grafaram apenas suas iniciais ao longo da conversa: ET. Foi realmente uma entrevista de outro planeta. A certa altura, Eliana contou ao repórter que na juventude desejou cursar sociologia. Desistiu porque, segundo ela, seu pai tinha medo de que acabasse presa (!?). Bem, a Lusitana roda, o mundo gira e nem foi preciso estudar sociologia para a Eliana chegar lá. Na mesma época, durante os dias que se seguiram à inauguração do novo e luxuoso (e horroroso) prédio da Daslu, "descobriu-se" uma pequena favela separada da loja por um muro lateral. Não haveria no mundo um metro quadrado que abrigasse tamanha desigualdade. Fui um dos muitos repórteres que foram até a favela Coliseu colher as impressões dos moradores sobre a nova vizinhança. Fernanda, Miss Penitenciária que acabara de ser solta do Carandiru, classificou a arquitetura da loja como "um pavilhão de cadeia". Assis, o dono do boteco, estava de fato revoltado: "A gente não arruma porra nenhum, né, véio, daí tem um casaco que custa o preço do nosso barraco?" Organizei os relatos de forma a apresentar a favela à Eliana Tranchesi: "Favela, Eliana. Eliana, favela." A Coliseu virou uma pedra no scarpin da Daslu, reforçando a imagem da loja como símbolo máximo de um luxo despudorado e fora de lugar. Voltei à favela na semana passada para saber da Fernanda, a Miss Penitenciária, se ela não teria umas dicas para a Eliana. A Fernanda não estava, tinha se mudado para Angra dos Reis. Mas essa não era a única mudança que se verificava por ali. Eliana Tranchesi, veja como são as coisas, virou rainha na "favela da Daslu". Por entre barracos de madeira e o lixo acumulado no beco (ainda não há coleta oficial), ela é praticamente um Mano Brown: entra pela porta da frente, circula sem seguranças, come PF (o prato feito, não a Polícia Federal), conhece todo o mundo. No dia em que prenderam Eliana, uma passeata de moradores foi até a porta da Daslu pedir sua libertação. Em 2005, Eliana construiu uma quadra no lugar do campo de terra que ficava no fundo do beco. A quadra não existe mais, foi incorporada a um prédio vizinho. Orientada pelo Projeto Aprendiz, ela montou uma escola, capacitou professores e formou monitores na própria favela. Para isso, abriu uma espécie de supletivo dentro da Daslu. Qualquer morador que quisesse podia completar lá os seus estudos. O esquema ainda funciona. Montou também uma creche. Conseguiu ainda que se instalasse na entrada da favela uma base comunitária da PM, acabando com o tráfico. Os impostos sonegados pela Daslu podem chegar a R$ 1 bilhão. Daria para contratar todos os professores de Harvard para lecionar na favela.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.