''Eloá não queria ver ninguém morto, só ela''

Depoimento - Nayara: Ao descer as escadas, pensou que morreria

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Por Redação
Atualização:

Nayara ratifica integralmente o teor de suas declarações anteriores, acrescentando que permaneceu sob cárcere privado por cerca de 30 horas e foi liberada por volta das 23 horas da terça-feira, dia 14 de outubro. Em tal certame, ela deixou o cativeiro ilesa. Nayara, ao deixar o cativeiro, foi trazida cautelarmente para o Pronto-Socorro de Vila Luzita, onde foi medicada e dispensada, sendo, então, reconduzida à sua residência, onde permaneceu em companhia de sua mãe e de seu padrasto. Ela recebeu inúmeros telefonemas de amigos e pessoas preocupadas com seu estado físico. Nayara acabou adormecendo nas primeiras horas da quarta-feira, dia 15 de outubro. Naquele dia, Nayara se levantou, fez a refeição inicial e, em seguida, se deslocando juntamente com senhor Jorge Luiz Ferreira de Araújo, à sede do 6.º Distrito Policial de Santo André, onde foi ouvida por várias horas. Nayara deixou a unidade policial no fim da tarde daquela quarta-feira, ainda se deslocando ao Instituto Médico-Legal de Santo André, onde se submeteu à perícia cautelar de exame de corpo de delito. Após os exames e, no início da noite, ela foi para a residência de sua avó na companhia de seus familiares. Nayara passou a receber inúmeras visitas e telefonemas dentro de sua nova rotina pessoal em razão do cárcere a que fora submetida. Nayara também foi repousar no final daquela quarta-feira. Nayara dormiu a noite inteira, acordando por volta das 8h30 da manhã de quinta-feira. Ela foi acordada por sua avó, uma vez que ali já se encontravam policiares militares, para que ela fosse transportada ao palco do evento, o Posto de Comando instalado na escola pública próxima ao Bloco 24 da CDHU, no Jardim Santo André, onde sua amiga Eloá se mantinha seqüestrada por Lindemberg. O tenente da Polícia Militar Vander teria explicado sobre a necessidade do retorno de Nayara ao Posto de Comando para as negociações, quando a avó contatou com a mãe de Nayara, que para lá se deslocou. Com a chegada da mãe de Nayara, elas foram levadas ao Posto de Comando da Crise. Segundo Nayara, não houve um pedido formal ou autorização da mãe para que ela retornasse ao palco do evento. Nayara e a sua mãe foram embarcadas em uma viatura de cores não convencionais. Com o capitão Adriano (Giovaninni) se encontravam outros policiais militares, quando todos passaram a conversar com Nayara e com Douglas (irmão caçula de Eloá), explicando-lhes o objetivo de suas estadas e transmitindo-lhes informações sobre como deveriam se comportar. Segundo informes e orientações prestados pelos policiais, Lindemberg exigiu a presença de Nayara e de Douglas, sendo que o pedido se traduzia na confiança de Lindemberg em Douglas e em Nayara por parte de Eloá. Segundo orientações dos policiais militares, Douglas deveria alcançar a escada do bloco até atingir o primeiro piso onde deveria permanecer. Nayara deveria acompanhar Douglas e atingir o corredor do segundo piso, que era o andar do apartamento cativeiro. Nayara não deveria se aproximar muito da porta do apartamento onde se encontravam Lindemberg e Eloá. De acordo com a vontade de Lindemberg, aceita pelo negociador, Nayara deveria subir ao local designado com um aparelho celular em linha direta com Lindemberg. Este aparelho Nayara recebeu das mãos de um policial militar. Nayara e Douglas começaram a subir os lances da escada. Douglas parou no primeiro piso, enquanto Nayara prosseguia o percurso até o segundo piso, alcançando o corredor, enquanto falava com Lindemberg. Nayara parou no final do corredor junto à escada que dá acesso ao apartamento, quando Lindemberg disse que não estava vendo a garota. Nayara subiu, então, um degrau, passando a acenar na direção da porta do apartamento, que se mantinha fechada. A porta tem olho mágico e Lindemberg deveria estar olhando Nayara através de tal dispositivo. Lindemberg pediu para Nayara se aproximar e esticar um de seus braços, quando, então, Eloá daria as mãos para Nayara. O andar de baixo e o apartamento de número 23, geminado ao cativeiro, estavam cobertos por policiais militares. Nayara viu os policiais militares em tais postos, inclusive os que se encontravam no apartamento de número 23, sendo que esses abriram "uma frestinha" da porta. A adolescente observou que Lindemberg já não cumpria o que fora acordado inicialmente com os negociadores, uma vez que Lindemberg é quem deveria dar as mãos para Nayara e deixar o cativeiro. Contudo, Nayara, a pedido de Lindemberg, foi se aproximando cada vez mais da porta, chegando praticamente a tocar a porta do apartamento 24 com sua mão direita. Nesse exato instante, a porta do cativeiro se abriu, podendo Nayara ver Lindemberg em frente à porta, com Eloá ao seu lado. Lindemberg apontava sua arma para Eloá. Lindemberg, então, determinou que Nayara segurasse nas mãos de Eloá, falando para a adolescente entrar no apartamento cativeiro, quando, então, Lindemberg depositaria sua arma em um dos quartos do apartamento e todos sairiam daquele local. Nayara entrou naquelas instalações na conformidade do determinado por Lindemberg. Assim que Nayara entrou no imóvel a porta foi trancada. Nayara foi questionada sobre a sua presença na delegacia, quando fora liberada. Ele acompanhou pela televisão as entrevistas ou informações prestadas por repórteres que davam conta da gravidade dos crimes a que Lindemberg responderia. Nayara, em resposta, disse que a sua ida à delegacia era obrigatória e que todos os envolvidos seriam convocados para o mesmo fim e que isto era uma coisa normal, tentando se justificar e acalmar Lindemberg. Ele àquela altura se apresentava um tanto nervoso. Decorridos cerca de 10 minutos da entrada de Nayara no cativeiro, os negociadores começaram a ligar para Lindemberg, cobrando-o sobre o acordo de rendição. Lindemberg sempre de forma calma dizia que somente estava conversando com as meninas e que logo se entregaria. Nayara percebeu que Lindemberg tinha a intenção de não cumprir o acordo firmado em que pese sempre dizer o contrário para os policiais e para as próprias vítimas. As horas iam passando e nada de Lindemberg se entregar ou libertar as reféns. A mãe de Nayara acabou ligando para Lindemberg, informando que o avô da menina, ao ver sua entrada no cativeiro, começou a passar mal. Nayara começou a chorar quando Lindemberg disse que não tardaria para que todos deixassem o cativeiro incólumes. Lindemberg também disse a Nayara, então, que a rotina do cativeiro se estabeleceu sem que houvesse agressões ou ameaças. Rotina que se consistia em assistir ao noticiário da TV, ouvir músicas, comer e conversar. Nayara em razão da pouca cultura de Lindemberg passou a funcionar como tradutora do noticiário, principalmente em matéria jurídica. A situação deliberada não sofreu alterações durante aquela quinta-feira, dia 16 de outubro. No fim da tarde daquela quinta-feira, Nayara pediu para ter uma conversa particular com Lindemberg. Eles foram ao banheiro do apartamento. Nayara passou a perguntar qual era a intenção de Lindemberg com relação ao evento por ele gerado e a sua solução. Lindemberg disse que, após a saída de Nayara do cativeiro, Eloá passou a alterar seu comportamento, perdendo o controle emocional. Lindemberg disse que ficou com saudades de Nayara. Lindemberg assegurou a Nayara que ela deixaria aquele local ilesa, assim como entrou, não afirmando, porém, quando ela seria liberta, ficando caracterizada sua condição de refém. Nayara, então, pediu que Lindemberg lhe abraçasse, o que foi feito de forma fraternal, ou seja, sem qualquer conotação amorosa ou sexual. Anoiteceu e todos foram para a sala, com o televisor ligado. Eloá ocupava o sofá da sala, Nayara, um colchão de solteiro, no chão, e Lindemberg ficou de pé ao lado direito de Nayara. Sem qualquer motivo aparente, Eloá surtou, passando a gritar: "Não agüento mais, me mate, me mate. Não agüento mais ficar aqui". Ainda aos gritos, Eloá não mais suportava o sofrimento das pessoas lá fora. Lindemberg perdeu o controle da situação, não sabendo o que fazer. Eloá levantou-se e começou a quebrar objetos daquela residência e que estavam na estante da sala. Lindemberg e Nayara tentaram conter Eloá para que ela se acalmasse. Nayara temeu pelo pior e chegou a pensar que os policiais invadiriam o cativeiro. Lindemberg, então, agarrou o pescoço de Nayara em forma de gravata, apontando-lhe a arma na direção de sua cabeça, passando a perguntar a Eloá se ela queria ver a "Barbie" (Nayara) morta, referindo-se a Nayara que ostenta tal epíteto. Eloá dizia que não queria ver ninguém morta, somente ela. Lindemberg, então, disse que havia prometido não mais bater em Eloá, mas que nada havia prometido em relação a Nayara, com respeito à integridade física dela. Eloá não se acalmava, continuando a gritar, fazendo com que Lindemberg desferisse dois leves tapas no rosto de Nayara com o objetivo de assustar Eloá e não de ferir Nayara. Eloá de forma lenta, porém gradativa, começou a se acalmar, tendo sido colocada no colchão da sala no meio de Nayara e Lindemberg. Eles passaram a fazer carinhos em Eloá, que os rejeitava, dizendo que não queria carinho de ninguém. Eloá chegou a gritar com Nayara, mas foi gradativamente se acalmando. (...) Eloá tomou um copo de água com açúcar e ficou deitada no colchão da sala. Lindemberg deitou-se ao lado de Eloá, enquanto Nayara buscou repouso no sofá. Eloá, então, começou a relembrar o seu passado com Lindemberg e com outras pessoas ligadas à sua família, em rememoração de passagens boas e não tão boa assim. Eloá falou à exaustão, até adormecer. Com o adormecer de Eloá já em noite alta, é que Nayara e Lindemberg se dirigiam ao quarto do casal, quando, então, Nayara adormeceu. Nayara somente acordou na manhã de sexta-feira. Quando Nayara acordou, ela observou que Lindemberg já estava em pé, enquanto Eloá ainda dormia no colchão da sala. Nayara voltou para cama, dando mais uma cochilada, acordando algum tempo depois, sendo inclusive acordada por Eloá, quando os três permaneciam naquele quarto. Nayara, ao ser acordada, viu que Lindemberg e Eloá conversavam, motivo pelo qual Nayara resolveu fechar os seus olhos para ouvir o teor do que falavam. Lindemberg exclamava ser Nayara responsável pelo rompimento do namoro do casal, chegando a referendar que Nayara seria conselheira sentimental de Eloá e que Nayara parecia ou era uma boneca, não fala, não tem vida, não tem sentimento e que, por tal motivo, ele mataria Nayara. Eloá disse que Nayara nada tinha com o fim do namoro do casal, sendo que esta conversa perdurou por algum tempo. (...) Lindemberg se apresentava calmo e tranqüilo, quando negociava sua rendição com os policiais militares. Lindemberg passou a dizer a Nayara e a Eloá que a crise estava se acabando e que a se resolveria naquela sexta-feira. As negociações prosseguiam e a crise se mantinha estável até a chegada da tarde. Lindemberg se encontrava sentado no colchão da sala, quando emotivamente apontou a arma para o alto e, em diagonal, efetuou um disparo que atingiu a parede de divisa com o apartamento 23. O projétil ricocheteou muito provavelmente na porta do apartamento. Lindemberg se levantou e foi ao banheiro. Nayara olhou para Eloá para que ela nada dissesse e ficasse calma. Nayara deixou passar um tempo e foi procurar Lindemberg perguntando o que havia acontecido, quando ele respondeu que havia se recordado de um momento com Eloá, o que causou uma irritação que fez com que ele atirasse com a sua arma. Nenhum negociador, após o disparo, perguntou o que tinha acontecido, fato que causou estranheza a Nayara. Nayara pode dizer que o disparo mencionado ocorreu por volta das 15 ou 16 horas daquela sexta-feira. Todas as ligações telefônicas e contatos travados com os negociadores se deram de forma mansa e pacífica. Lindemberg, então, passou a exigir garantias de segurança e de vida e a presença de pessoas específicas e um juiz de Direito, sendo que o juiz garantiria que Lindemberg não seria levado à prisão. Foi negociada a presença de um promotor de Justiça, que, com o advogado de Lindemberg, passaram a conversar com ele. Concomitantemente às negociações, Lindemberg contatava com emissoras de TV, dando exclusividade para a emissora Record, que deveria filmar o documento firmado pelo promotor de Justiça com o timbre do Ministério Público. Tal providência foi adotada pelos negociadores, quando o salvo conduto foi transmitido pela televisão. Após a transmissão, Lindemberg conversou com o negociador, pedindo para ter o documento em mãos. Lindemberg pediu para que seu advogado subisse com o documento, providência não aceita pelo negociador, em razão do cativeiro a que a declarante fora submetida pela segunda vez. Então, foi jogada a corda improvisada, onde o documento fora amarrado e içado para o apartamento. Lindemberg pediu para que Nayara lesse o documento e explicasse o seu teor. Nayara leu em voz alta, passando a explicar a Lindemberg que todos estavam garantindo sua integridade física em caso de rendição. Eloá e Nayara passaram a se convencer que a crise estava em seu estertor e que Lindemberg se renderia mansa e pacificamente. Todos foram ao quarto colocarem uma blusa para sair. Lindemberg somente vestiu uma camiseta, motivo pelo qual Nayara lhe perguntou se ele não passaria frio ao sair do cativeiro. Nesse instante, Lindemberg respondeu: "Não vou sentir frio, porque não vou sair do apartamento. Somente vocês sairão". Duas armas que já estavam em seu poder, o revolver e a carabina, ele passou a perguntar para Eloá quem tinha sido o responsável pela separação do casal. Lindemberg tentava nominar o responsável, declinando Nayara, a professora, amigos. Eloá desconversou pedindo para que Lindemberg não começasse tudo de novo. Lindemberg mandou Nayara e Eloá irem para a sala, passando a trancar os dois quartos e a porta sanfonada da cozinha Nayara pode afirmar que estes fatos se deram no fim do entardecer da sexta-feira, dia 17 de outubro. Eloá e Nayara sentaram-se no sofá ao lado do televisor. Nayara à direita, enquanto Lindemberg ocupava um outro sofá encostado na parede divisória com o apartamento 23 e perto da porta do quarto do casal. Lindemberg insistia em saber quem teria sido o responsável pelo rompimento do namoro. Eloá disse a Lindemberg que o responsável pelo rompimento do namoro era o ciúme, o gênio e algumas atitudes de Lindemberg. Alguém ligou para Lindemberg, quando, então, houve uma longa conversa. Nayara acredita ter sido o capitão Adriano o interlocutor de tal conversa. Lindemberg dizia que estava desenrolando algumas coisas com as meninas e que todos desceriam. A longa conversa não foi muito observada por Nayara. Ao término dessa ligação, Nayara deitou-se. Eloá continuou sentada no sofá, enquanto Lindemberg arrastava uma mesa de jantar, barulho que parecia uma explosão, mas se assemelhava a um chute na porta. Até então, Lindemberg não havia efetuado qualquer disparo com as armas de fogo em seu poder. Então, a porta começou a ser arrombada e empurrada para a sua abertura. Eloá deu um grito, quando Nayara pegou o edredom e cobriu o seu rosto. Nayara nada mais viu, se recordando de ter ouvido dois estampidos e sentido um impacto no rosto. Nayara cobriu seu rosto instintivamente após a tentativa de invasão do imóvel, não observando a ação desenvolvida por Lindemberg e pelos policiais militares. As últimas palavras ouvidas por Nayara davam conta das determinações dos policiais para a rendição de Lindemberg. Nesse momento, Nayara saiu rapidamente, sendo acolhida por um policial militar. A última coisa que Nayara viu antes de sair daquele apartamento foi Eloá deitada e imóvel como se tivesse perdido os sentidos. Em seguida, Nayara desceu as escadas, entrando em desespero, achando que iria morrer. Enquanto descia as escadas, Nayara chegou a ver Lindemberg se debatendo com os policiais. O policial que a acompanhava procurava acalmá-la. Nayara, após vencer a escadaria do bloco, foi colocada em uma maca e transportada para uma unidade de resgate que lhe socorreu até este hospital, onde Nayara permanece até a presente data. Nayara tem conhecimento do desfecho final e dos ferimentos de Eloá, que foram a causa eficiente de sua morte. Por fim, Nayara tem a firme convicção da autoridade delitiva atribuída a Lindemberg. E mais não disse, nem lhe foi perguntado. Lido e achado conforme, vai devidamente assinado, passando, este termo, a fazer parte integrante do Auto De Prisão Em Flagrante Delito epigrafado.

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