Em meio à dor pela morte de um ''Zezinho'', a chance de ensinar

Assassinato em loja popular causa revolta em alunos

PUBLICIDADE

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Ontem e terça-feira foram dias de intensos debates na Casa do Zezinho, uma das principais entidades que trabalham com crianças e jovens no Capão Redondo, na zona sul. Cerca de 300 alunos, furiosos, queriam fechar as Casas Bahia do bairro. Na segunda, o metalúrgico Alberto Milfont Júnior, de 23 anos, foi assassinado na loja pelo segurança Genilson Silva Souza. Milfont havia acabado de comprar um colchão com a namorada, Darilene Pereira Ribeiro, de 22, mãe de seu filho de 5 meses, com quem se casaria em dezembro. O segurança desconfiou de Milfont e os dois discutiram. Ele duvidou que o segurança teria coragem de atirar. Já havia repetido: "Sou cliente, não sou bandido." Levou um tiro no rosto. A revolta na Casa do Zezinho estava quase incontrolável porque durante oito anos Milfont freqüentou aulas e oficinas da entidade. Era um Zezinho. Entrou em 1996, dois anos depois de a entidade abrir. Passou pela sala amarela, para pré-adolescentes, chegou à vermelha, para alunos que se tornam referências para os novatos, e tornou-se educador voluntário e mediador de conflitos. Em meio à dor dos alunos e educadores, a tragédia precisava transformar-se em lição. A pedagoga Dagmar Garroux, a tia Dag, diretora da entidade, chegou em meio a um desabafo dos alunos: "Você tá vendo como os ricos nos enxergam? Agora é mais um no Cemitério São Luís com a boca cheia de formiga." Pediu calma e respondeu que "existe rico do bem e do mal, médico do bem e do mal, Zezinho do bem e do mal". Diante da ameaça de os Zezinhos mobilizarem o bairro para fechar a loja, afirmou: "Então vou fechar também a Casa do Zezinho." Conseguiu o silêncio que desejava e contou sua própria história. Há dez anos, teve o pai assassinado por um jovem que tentou assaltar seu sítio. "Vocês acham que é olho por olho e dente por dente? Onde eu estaria se tivesse pensado assim?" Diante do silêncio,mandou os alunos de volta para as classes. Deveriam escrever na internet o que sentiam e pensar numa maneira organizada de protesto. Um dos resultados foi a foto de Milfont, de palhaço, atuando em uma peça, de braços abertos, com a Bandeira do Brasil ao fundo. Como mediador conflitos, Milfont tinha estratégias próprias. Certa vez, no Parque da Xuxa, no SP Market, um dos alunos começou a ameaçar depredar o lugar. Milfont só o segurou, levando diversos chutes que deixaram sua perna roxa. Aprendera que a palavra e a conversa eram solução para apaziguar ânimos. Também aprendia rápido. Tinha duas irmãs e foi criado pela mãe. Na adolescência, reclamou que a mãe não lhe ajudava com dinheiro. Os educadores chamaram os dois para conversar. Pediram que a mãe listasse os custos do mês. Milfont anotou o preço de tudo e fez a conta. Pediu desculpas à mãe. Como voluntário, com direito a ajuda de custo, recusou-se a receber. Segundo o escritor Ferréz, a população do bairro crê que Milfont foi morto porque "estava mal vestido". Na segunda-feira, o escritor tomou duas "gerais" da polícia. "Quando acontecem coisas assim, a polícia fica mais agitada".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.