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Emprego é entrave para refugiados no Brasil

Além do idioma e da documentação, estrangeiros muitas vezes assumem postos abaixo da qualificação profissional que têm

Por Roberta Pennafort
Atualização:
Kiala: 'Vim porque no meu país não existe liberdade de expressão' Foto: FABIO MOTTA/ESTADÃO

Perseguido político em seu país, o congolês Serge Kiala vive no Rio há um ano e quatro meses e aguarda com ansiedade a resposta do governo brasileiro à sua solicitação de refúgio, para, então, poder buscar a mulher e os dois filhos, de 1 e 13 anos, que precisou deixar para trás. Uma grande vitória o artista plástico, com licenciatura em Belas Artes concluída em Kinshasa, já conseguiu: depois de integrar uma exposição coletiva no Museu do Amanhã, no ano passado, em que apresentou obras criadas sob o signo da expatriação e da saudade de casa, Kiala foi convidado a se juntar à equipe da casa que recebe o público visitante. 

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"Vim porque no meu país não existe liberdade de expressão", conta o artista, de 40 anos, que se dirige aos frequentadores do museu em seu francês natal e num português em progresso. "Fiz uma mostra no Congo e fui perseguido pela polícia por falar mal do governo, por dizer a verdade. Como artista, me sinto em casa ao trabalhar no Museu do Amanhã, conhecido em todo o mundo. Não tenho como me sentir feliz longe da minha família, mas o Brasil é hospitaleiro e consegui um trabalho mesmo com a crise e com tantos brasileiros sem trabalhar. Não posso voltar para meu país, porque o governo (o mesmo há 20 anos) continua lá."

Para além da barreira idiomática, da difícil obtenção de informações corretas sobre o processo de refúgio e dos documentos necessários para a permanência legal no País, arrumar trabalho é um dos primeiros entraves que os estrangeiros vindos do Congo, Venezuela, Cuba, Angola, Haiti, Síria e outros países enfrentam. 

O tema foi tratado nesta terça-feira, 20, em seminário no Museu do Amanhã, que reuniu refugiados, autoridades e instituições que lidam com o tema, como a Planisfério Marketing de Causas. A empresa, por meio de um projeto nomeado Estou refugiado, cadastra currículos de refugiados e os conecta ao mercado de trabalho. Sua criadora (com a parceira Gisela Rao), a publicitária Luciana Maltchik Capobianco, conta que em dois anos reuniu mil currículos e que cerca de 300 pessoas se empregaram - na maior parte das vezes, em postos que estão abaixo de sua qualificação profissional. 

"Eles ficam desesperados por emprego, vieram para um país de 14 milhões de desempregados. Sofrem preconceito, ouvem coisas como 'você está roubando nossos empregos, volte para seu país'. Fazemos uma campanha para que os empregadores tenham um olhar mais cuidadoso. Temos engenheiros, geógrafos, museólogos, médicos, enfermeiros. Os sírios, por exemplo, chegam muito qualificados", relata Luciana, que já criou um crowdfunding para arcar com os custos das passagens de ônibus para os refugiados irem a entrevistas de emprego.

O seminário marcou o Dia Mundial do Refugiado no Museu do Amanhã. A espanhola Isabel Marquez, representante no Brasil da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), elogiou a legislação brasileira, e destacou a necessidade de se dar agilidade à entrega de documentos. Hoje, os solicitantes levam dois anos até o fim do processo. Com o protocolo do registro final em mãos, já podem dar entrada na carteira de trabalho e matricular filhos em escolas, mas nem sempre instituições bancárias e de saúde o reconhecem como documento legítimo.

"Não devemos ter medo da inclusão. O refugiado tem muito a contribuir. Temos de partilhar responsabilidades. O direito aos documentos e ao trabalho é fundamental. Precisamos pensar soluções duradouras desde que eles chegam ao Brasil", defendeu Isabel.

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O congolês Serge apela ao Ministério da Justiça para que seu documento definitivo saia logo. "Sem documento a pessoa é ninguém, não tem identidade. Guardo meu protocolo como a coisa mais importante da vida", diz o artista, que mora em Brás de Pina, na zona norte do Rio, e se ressente ainda do racismo estrutural entranhado no brasileiro. "No ônibus, ninguém quer sentar do meu lado. Sei que este é um problema no mundo inteiro, mas vou ter que ensinar os meus filhos a lidar com isso no Brasil. É triste."

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