Empresas protestam cheques no Rio para fazer cobranças em todo o País

Cobradoras compram títulos de até 14 anos e chegam a exigir 20 vezes o valor de face para limpar nome

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Por Wilson Tosta
Atualização:

Soraia Mayorka, uma consultora formada em Administração de Empresas, moradora em Joinville (SC), nunca visitou Duque de Caxias, no Estado do Rio. Mas soube, em meados de 2007, ter uma letra de câmbio (um título que representa uma dívida) protestada em seu nome no cartório do 2º Tabelionato de Notas, Protesto e Ofício de Registros Públicos da cidade. Em pouco tempo, descobriu que a empresa Rainbow Holdings do Brasil a emitira a partir de um cheque seu, de 1997, no valor de R$ 270, dado para pagar uma compra que cancelara, e da qual dera baixa no banco - mas o documento acabou comprado pela empresa.Foi à Justiça, mas, até conseguir limpar o nome, perdeu três ofertas de emprego. "Os advogados da empresa disseram que eu tinha assinado uma letra de câmbio. Eu disse: "Quero que me tragam essa letra, não assinei nada", diz. A consultora é um dos milhares de cidadãos de todo o País que estão tendo letras de câmbio protestadas em cartórios do Rio - por causa de cheques passados, em alguns casos, há até 14 anos - por empresas de cobrança que os compram. Só na comarca da capital fluminense, em 2008 e 2009, na primeira e segunda instâncias, deram entrada mais de 500 processos contra quatro empresas de cobrança.Segundo o presidente do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil (IEPTB), Léo Barros Almada, há cerca de um ano começou a crescer expressivamente o número de protestos desse tipo. No Estado, a Corregedoria do Tribunal de Justiça, que fiscaliza os cartórios, entende que as letras de câmbio podem ser protestadas sem que exista o aceite (a assinatura do devedor, que reconhece a obrigação). Há ainda convênio do TJ com o IEPTB, de 2005, adiando para o momento do pagamento da dívida a quitação da taxa que, em outros Estados, é paga pelo credor quando apresenta o protesto no cartório, para posterior reembolso pelo devedor. "Na reforma da Lei 9.442, que tramita no Congresso, vamos propor que o não-pagamento antecipado dos emolumentos pelo protesto seja levado para todo o Brasil", diz Almada.A posição do Rio difere da de outros Estados em mais aspectos. Em São Paulo, por exemplo, não são devedores os cidadãos sacados em letras de câmbio sem aceite. Para o secretário-geral da seção fluminense do instituto, Carlos Penteado, o crescimento do número de protestos no Rio deve-se a normas paulistas. "A Corregedoria criou uma impossibilidade de credores protestarem em São Paulo", diz. "Lá, após um ano, o tabelião decide se protesta."Em muitos casos, porém, os cheques não foram devolvidos por falta de fundos. Foi o que aconteceu com a assessora de imprensa Célia Curto, de Brasília. Ela se viu recentemente sem talão bancário, por causa de um cheque de R$ 613,58, que passou em 2003 no Hipermercado Big do Limão, São Paulo, que voltou porque a assinatura não foi reconhecida. "Se tivesse sido avisada, teria resgatado o cheque", diz ela, que foi protestada em Barra do Piraí (RJ). O cheque acabou com o Wal Mart, que o vendeu. Ao tentar resgatar a dívida, transformada em letra de câmbio, descobriu que a Network Assessoria queria lhe cobrar R$ 1.800. Por lei, cabe ao tabelião apenas verificar se o título está formalmente correto - e não verificar a validade do crédito.O Estado visitou salas onde funcionam três dessas empresas no Rio. Duas ficam na Rua da Assembleia, 10, onde se localizam as sedes do IEPTB-RJ e de quatro cartórios de títulos de protesto. No 15º andar, na sala 1.521, fica a filial carioca da Rainbow. No 34º, está a Cral Cobrança e Recuperação de Ativos, que consta com telefone na sala 1.521. Nenhuma tinha placa na porta. A Network não tinha nenhuma identificação em sua filial no Rio, na Avenida 13 de Maio, 23, sala 1.634. Já a Prêmio Comércio de Máquinas fica na mesma sede da Alri Organização e Cobrança, no Largo 7 de Setembro, 52/1.021, São Paulo, segundo o Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica. Na sexta, um homem disse não saber como achar a Prêmio, da qual a Alri seria terceirizada. "Os senhores não sabem o telefone da empresa para a qual prestam serviço?", indagou o repórter. "É", confirmou o funcionário.

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