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Espaço público pode sair mais forte

Especialistas dizem que pandemia expõe vulnerabilidades na paisagem urbana, mas oferece oportunidades

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Por Redação
5 min de leitura
Getty imagens 

Assim como ocorreu no passado, quando as epidemias e crises sanitárias de meados do século 19 e início do século 20 motivaram mudanças no planejamento das cidades, criando o urbanismo moderno, a pandemia de covid-19 traz aprendizados e abre caminho para uma nova utilização dos espaços públicos. Especialistas destacam que, apesar das flagrantes desigualdades sociais observadas em municípios de todos os portes, há uma chance para que possam emergir dessa crise cidades mais humanas, descentralizadas, verdes, saudáveis e sustentáveis.

Em São Paulo, o primeiro ensinamento que a pandemia trouxe foi a constatação da desigualdade estrutural da cidade, avalia Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis. “Um exemplo é que 60% dos leitos de UTI na cidade de São Paulo estão concentrados em três das 32 subprefeituras”, compara. Outra confirmação foi da extrema vulnerabilidade das habitações precárias, onde o adensamento populacional e a baixa oferta de condições de higiene dificultam o necessário isolamento social.

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O urbanista Vicente Loureiro concorda que há uma evidente falta de equidade socioterritorial nos grandes centros urbanos. “As pessoas perceberam que certos setores das cidades não oferecem acesso aos serviços e que os equipamentos públicos não estão bem distribuídos. Estão concentrados nas áreas mais valorizadas”, afirma.

Gabriela Celani e Sidney Bernardini são professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Para eles, a pandemia atingiu os mais vulneráveis com maior intensidade. “As pessoas de mais baixa renda, que moram longe do emprego, foram mais afetadas”, afirma Gabriela. O que implica importantes desafios de mobilidade e descentralização dos centros urbanos. “A crise escancarou problemas que carregamos há décadas, como o acesso ao saneamento, e questões de infraestrutura de água, esgoto e drenagem”, lembra Bernardini.

Urbanismo tático

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A percepção dessas deficiências é um ponto de partida para a busca das soluções, segundo Robert Muggah, cofundador e diretor de Pesquisa e Inovação do Instituto Igarapé. “A pandemia está forçando um repensar em muitas partes do mundo sobre como tornar as cidades mais pró-saúde, digitalizadas e resilientes.” Muggah acrescenta que prefeitos esclarecidos, conselhos municipais e empreendedores cívicos em todo o mundo estão introduzindo mudanças no zoneamento, projetos inovadores de construção, prestação de serviços, mobilidade e uso de energia, mesmo enfrentando enormes déficits orçamentários.

A professora Gabriela sugere que ações reversíveis em espaços públicos, o chamado urbanismo tático, podem servir de testes para grandes mudanças. A adoção de edifícios se voltando para fora, como um museu da Dinamarca que expôs suas obras nas janelas, é um exemplo, assim como a ampliação de ciclovias e ciclofaixas em Paris. “Também estão ocorrendo exemplos de hortas comunitárias, que unificam as pessoas, que se mobilizam por uma intervenção pontual, e ainda atingem o objetivo de melhorar a alimentação”, complementa Bernardini. “Precisamos tanto de ações mais estruturantes quanto de ações mais amigáveis em espaços públicos, como melhoria de calçadas, ruas e praças. Uma convivência entre projetos de grande escala e ações táticas e pontuais”, diz Loureiro.

Uma certeza entre os especialistas e acadêmicos é a urgência da adoção do princípio da multicentralidade nas grandes cidades. “A chamada cidade policêntrica faz cada vez mais sentido com o avanço do teletrabalho”, diz Gabriela. “É preciso descentralizar. Acelerar a tendência de polinucleação, uma distribuição mais equânime de oferta de serviços e de transporte público”, comenta Loureiro. “Cidades que são abertas, transparentes, colaborativas e que adotam respostas abrangentes tendem a estar mais bem equipadas para gerenciar surtos de doenças infecciosas do que aquelas que não o são”, concorda Muggah.

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A professora da Unicamp diz que já observa mudanças de comportamento das pessoas nos espaços públicos, que estão caminhando, correndo ou fazendo exercícios ao ar livre, o que pode ajudar a nortear o planejamento dos espaços. “Perdeu-se o hábito antigo de passear pela cidade, porque as pessoas tinham como opção de lazer os shopping centers, e isso pode ser retomado”, sugere.

Claro que tudo vai depender do combate a um histórico déficit estrutural dos espaços públicos, com a renovação das praças, áreas que muitas vezes se configuram como única opção para cidades menores. Em Juiz de Fora, município da Zona da Mata mineira, por exemplo, existem 95 praças, mas com manutenção precária, afirma Klaus Chaves, professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “Fizemos um levantamento no final de 2019 e apenas 61% desses espaços possuíam lixeiras, só quatro tinham banheiros e uma única praça oferecia bebedouro”, diz Chaves. Bernardini, da Unicamp, defende que uma maior participação da sociedade civil, reivindicando as mudanças, pode gerar “uma nova ética no urbanismo”.

Capital precisa descentralizar açõese valorizar bairros

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A melhor utilização dos espaços vazios, como terrenos e prédios abandonados, o reforço do papel dos bairros no tecido urbano e a reconstrução das relações de vizinhança - que se perderam ao longo dos anos - são algumas sugestões de especialistas para que a cidade de São Paulo caminhe para um futuro menos desigual após as provações às quais a população foi submetida nesta pandemia.

Para Wilson Ribeiro dos Santos, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC Campinas, um bom espelho é o passado, quando subcentros como os bairros do Brás, Lapa e Santo Amaro, por exemplo, tinham forte circulação de pessoas que trabalhavam e consumiam nesses locais, que abrigavam indústrias, comércio e serviços.

Boa parte dessa relação das pessoas com esses múltiplos centros foi perdida nas últimas décadas porque houve concentração das atividades e dos empregos no Centro e nas regiões das Avenidas Paulista e Faria Lima, por exemplo. Na última pesquisa da Rede Nossa São Paulo sobre qualidade de vida, divulgada em janeiro, 60% dos entrevistados afirmaram que sairiam da cidade se fosse possível. E pelo menos 30% não se sentem incluídos nos bairros ou comunidades onde moram. Essa sensação de não pertencimento é maior entre os paulistanos de 35 a 44 anos.

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Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, acredita que uma parcela da população percebeu que faltam espaços de contato em áreas próximas às suas residências. “Muita gente passou a discutir o acesso a serviços e a postos de trabalho numa determinada distância de suas casas”, afirma. A preocupação com o tempo gasto em deslocamentos fez surgir propostas como a de Paris, na França, da cidade de 15 minutos, meta de tempo médio para os moradores resolverem problemas cotidianos.

Santos cita empreendimentos como os CEUs como centros de atração das comunidades para seus bairros. Abrahão reforça que a periferia tem uma riqueza cultural que ainda não foi totalmente descoberta, com produção artística, musical e de esportes. “Se o poder público der o devido suporte, esse potencial poderia desabrochar. Seria interessante fazer essa inflexão, abrir para o novo. Não priorizar apenas antigo padrão estabelecido e investir no que está surgindo”, afirma.

Quando é citado o tema da ocupação de espaços vazios, Santos lembra da importância da habitação social e do zoneamento de uso misto. Ele destaca que a própria região central da cidade já passou por processo semelhante quando as sedes dos bancos migraram para regiões mais nobres. Parte dos prédios é hoje ocupada por faculdades. Entre as sugestões para voltar a atrair moradores mais jovens para o Centro, o professor da PUC-Campinas propõe atrair a economia criativa para a região, como a espanhola Sevilha fez há poucos anos. 

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