Especialista vê ''um gatilho'' para a violência

''Aquilo que é horroroso se torna banal e até divertido'', observa psiquiatra do Albert Einstein

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Por Adriana Carranca
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Em novembro de 1999, o estudante de Medicina Mateus Meira, então com 24 anos, atirou com uma minimetralhadora contra a plateia do filme Clube da Luta, em um cinema do Shopping Morumbi, matando três pessoas e ferindo outras cinco. Na investigação, a polícia descobriu que Mateus tinha vivido a mesma cena muitas vezes antes, virtualmente, em jogos de computador. Embora o Ministério da Justiça alegue não poder proibir jogos de conteúdo violento, mas somente restringir a faixa etária para maiores de 18 anos, psicólogos e psiquiatras ouvidos pelo Estado dizem que, mesmo em adultos, os efeitos podem ser devastadores. "Se o jovem ou adulto já tem predisposição à violência, o jogo pode ser o gatilho", resume o psicólogo Erick Itakura, do Núcleo de Pesquisa em Psicologia e Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A coordenadora da Psiquiatria do Hospital Albert Einstein, Ana Luiza Simões Camargo, explica que os jogos só têm o poder de deflagrar o que "já está na pessoa". Ressalta, porém, que tais jogos provocam uma certa permissividade em relação a situações de violência, o que é perigoso. "Aquilo que é horroroso se torna banal e até divertido. E isso é especialmente prejudicial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes", diz. A "familiarização" com a violência também é apontada como efeito dos jogos pelo psiquiatra Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Atendimento a Dependentes de Internet, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "O cérebro absorve e se adapta facilmente a novidades e cria tolerância, no caso desses jogos, a comportamentos desencorajados na sociedade", diz o médico. Embora não existam pesquisas que comprovem a reprodução na vida real do comportamento observado no jogo, segundo Nabuco, a perda do senso crítico, daquilo que é certo e errado, pode levar a uma agressividade patológica, se existe predisposição na personalidade. "O jogo pode reforçar o caráter", diz. Para Itakura, da PUC, esses jogos "põem a moralidade no esgoto e fazem o mal prevalecer sobre o bem". Ana Luiza, do Einstein, explica que "certa dose de agressividade faz parte do ser humano e pode até ser útil". Ela cita como exemplos o desejo de vencer ou a capacidade de se proteger. "Mas a violência pela violência é destrutiva." Os pais devem estar atentos. "Proibir, simplesmente, pode aguçar a curiosidade. Neurotizar também não ajuda. O ideal é conversar abertamente com os filhos sobre as relações humanas, a brutalidade e a gravidade de atos violentos, como um estupro. E acompanhar o comportamento deles, verificando se a atração por violência se repete", diz Ana Luiza.

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