Esquema de propina permite regalias em Bangu

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Por Agencia Estado
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O Complexo Penitenciário de Bangu, projetado para ser o mais rigoroso do País, com quatro unidades de segurança máxima, tem regras rígidas para entrada de visitantes e objetos, mas um esquema paralelo permite que essas normas sejam burladas e que os detentos paguem por regalias de dentro das prisões. Parentes ouvidos pela reportagem disseram que, com pagamento de propina, os presos conseguem drogas, celulares, bebidas alcoólicas, visitas íntimas fora do horário e vários outros "serviços". "Os Desipe (como são chamados os agentes do Departamento do Sistema Penitenciário) têm preço para tudo. Não tenho autorização para visita íntima, mas meu marido pagou R$ 10,00 e a gente conseguiu transar no ´ratão´", disse a empregada doméstica Ana (nome fictício), de 22 anos, que na última quarta-feira visitou o marido preso há dois anos por tráfico na Penitenciária Vicente Piragibe, uma das 15 unidades do complexo. "Ratão" é como os detentos chamam um banheiro perto do pátio de visitas, onde os agentes, mediante propina, permitem que os casais façam sexo. Outra que afirmou ter conseguido visita íntima não-oficial na quarta foi a ascensorista A.G.R., de 26 anos, moradora do Morro do Turano, zona norte. Ela disse que pagou R$ 100,00 e obteve permissão para "fazer amorzinho" durante cinco horas com o marido, condenado por assalto a banco e preso há 4 anos e meio na Penitenciária Moniz Sodré. "Pode botar meu nome aí. Não tenho medo, porque tudo é verdade. Para entrar fora do dia de visita, eles cobram uma taxa. A visita completa, que inclui ´amorzinho´, custa R$ 100,00. Se pagar, entra o que quiser. Sem pagar, namoro é só beijo na boca." A ascensorista afirma que quem entra com celulares são os próprios agentes, para vender na prisão. "O Samsung é R$ 100,00. Já aquele outro com tela azul sai por R$ 400,00." Visita íntima sem permissão oficial é só um dos "serviços" prestados pelos agentes, dizem as famílias. Droga, álcool e até visita de prostitutas seriam permitidos, mas a negociação e o pagamento seriam feitos previamente, entre agentes e presos. Ana e sua amiga Maria (nome fictício), que trabalha como faxineira diarista e mora em Bonsucesso, na zona norte, tomavam cerveja num bar em frente do presídio, no fim da tarde de quarta-feira. Elas lembraram duas histórias recentes. A primeira teria ocorrido na festa do Dia das Mães, em maio. Segundo elas, alguns presos conseguiram comprar uísque e Campari (R$ 50,00 por garrafa) e bebiam livremente no pátio. "Eles até misturaram com Red Bull e, para disfarçar, a bebida foi colocada em garrafas de refrigerantes." A outra história ocorreu, afirmaram elas, com dois presos que dividem celas com seus maridos. Eles teriam desembolsado R$ 300,00 para que os agentes permitissem que duas prostitutas passassem algumas horas na prisão à noite. Até as regalias mais simples têm preço. Como algumas unidades ficam a quilômetros da entrada do complexo, os policiais militares que fazem a guarda do portão são acusados de cobrar R$ 5,00 para permitir entrada de carro, outros R$ 5,00 para táxi e R$ 2,00 para carona de bicicleta. Mesmo as normas da revista podem ser corrompidas, contam os parentes. Em algumas unidades controladas pela facção criminosa Comando Vermelho, os agentes proíbem visitas de pessoas vestidas de vermelho. Mas quem se esqueceu da proibição e não quer perder a visita teria a opção de pagar R$ 5,00 e entrar assim mesmo. "Uma vez eu estava com uma camiseta vermelha e eles queriam me barrar, mas meu marido pagou lá dentro, e eles liberaram", diz T.C.A., que visitava o marido na Penitenciária Moniz Sodré. Já Bia, cujo marido está no mesmo presídio, afirmou que, para entrar a qualquer momento com TVs ou ventiladores, é preciso pagar R$ 50,00. Além da corrupção, as mulheres reclamam de maus-tratos na revista. J.S., que visita o irmão e o marido no Vicente Piragibe, disse que já recebeu cantadas de um agente e que, uma vez, uma "Desipe" insinuou que ela era uma prostituta. Para ela, o que mais choca é a humilhação pela qual passam as mulheres mais idosas. "É humilhante para todo mundo, mas as mais velhas sofrem mais." Alguns presos e parentes, no entanto, preferem não negociar com os agentes corruptos. "Aqui, se você tem conhecimento, consegue as coisas. Mas eu não me sujeito a isso. Ele está sem rádio, sem ventilador e sem TV, mas eu não pago nada", disse a mãe de um detento, condenado a 8 anos. O deputado estadual Hélio Luz (sem partido), chefe da Polícia Civil do Rio entre 1995 e 1997, já denunciou várias vezes a corrupção de Bangu, que "vai da pasta de dente até as drogas". Segundo ele, o grande problema do sistema penitenciário é que ele perdeu sua função principal, de reabilitação, e passou a funcionar apenas como forma de "tirar os criminosos de circulação". A conseqüência disso, diz, é que os homens do Desipe não recebem treinamento nem têm salário decente. "O agente tem de ter medo de perder o emprego. E isso só vai acontecer quando eles ganharem o suficiente e existir um bom sistema de controle interno", afirma. "O problema de Bangu não é falta de regras, mas a incapacidade que o Estado tem de fazer com que elas sejam cumpridas e controlar seus agentes."

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