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Esquerda, a filha enjeitada do PT de meia-idade

Nos 31 anos do partido, estudiosos debatem o vazio ideológico que ele deixou e o futuro das utopias socialistas

Por Gabriel Manzano
Atualização:

Houve muita festa, bolo com velinha e convidados ilustres, mas, se alguém na sala gritasse "fora FMI" ou "o mundo marcha para o socialismo", iria estragar o clima. O PT de meia idade que comemorou 31 anos na quinta-feira, em Brasília, é um senhor comportado - ideologicamente - que ao chegar ao governo trocou, como já fizeram tantos outros partidos-camaradas, as bandeiras da utopia socialista pela lógica da manutenção do poder. Ao subir a rampa do Planalto, em 2002, o petismo deixou para trás uma esquerda órfã, que foi se esvaziando, ficou desimportante e sem horizontes. E nenhum dos pequenos grupos radicais conseguiu reverter esse quadro.O debate sobre esse vazio, num terreno onde antes pululavam grupos trotskistas, o velho Partidão e o PTB da era Vargas, leva a uma polêmica interminável. Há os que entendem que o sonho socialista morreu. Uma minoria acredita que dá para revivê-lo. E, para muitos outros, a esquerda vai muito bem, obrigado, só deixou de lado a briga por mais-valia ou uma sociedade sem classes e se concentrou no controle puro e simples da economia e da política pelo aparelho do Estado. "A esquerda se esvaziou com o colapso do comunismo nos anos 90 e a guinada da China rumo ao mercado. Pode-se dizer que não há hoje um sistema alternativo ao capitalismo", resume Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Para ele, "o espaço encurtou e isso influiu no processo político do Brasil. O PT foi para o centro".Sonho vivo. Mas a utopia socialista continua de pé para grupos à esquerda do PT, dos quais o PSOL é o mais expressivo, embora o PC do B ainda mantenha, misturado às suas aventuras esportivas, algumas bandeiras e forte militância estudantil. "O fato é que o PT peemedebizou-se", diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). "Hoje ele é um grande partido social liberal, de centro-esquerda, com práticas convencionais, frouxidão ideológica e seguidas concessões éticas". Alencar, ao lado de vários outros petistas, foi expulso da legenda em 2005, por votar contra a reforma da Previdência do governo Lula. "Nós apostamos ainda na ressignificação do socialismo" , diz ele. "Não se trata de "rupturismo total", pois a conjuntura não é revolucionária, mas de uma reforma profunda, dentro das instituições. Reforma agrária, urbana, política, tributária e outras, sempre estimulando a organização e o protagonismo populares".A polêmica passa pelos que tentam, sem sucesso, um debate sério da social-democracia - uma agenda que não atrai os políticos nem o eleitorado. E passa também pelos que veem no fortalecimento do aparelho do Estado a prova de que a esquerda está avançando. "O socialismo declinou, como proposta e como regime", admite o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, "mas sempre ressurge. No estatismo, na rejeição do mercado, da democracia representativa, do liberalismo, do individualismo e na defesa do partido único".Alguma chance de a utopia socialista ressurgir? "Até onde se pode ver no horizonte, não", diz Aldo Fornazieri. O grande conflito do mundo, diz ele, não é mais entre patrões e operários, mas uma diferença civilizacional entre Ocidente e islamismo". No Brasil, ou lá fora, os paradigmas mudaram. O que existe agora, e o Egito acaba de dar um exemplo, são rebeliões para derrubar regimes autoritários. Fornazieri faz uma certa ponte com Leôncio Rodrigues, ao admitir que "cresceu a percepção, pela esquerda, do Estado como mediador da ascensão social". Leôncio vê a esquerda crescer nas grandes bancadas do PT na Câmara e no Senado e na ocupação do aparelho de governo. "Aumentou a separação entre esquerda e socialismo", adverte. "Hoje a esquerda incorpora temas que nada têm com a classe operária, como proteção ambiental e defesa das minorias".A dificuldade de outros grupos de esquerda para se firmar, segundo Leôncio, resulta da salada ideológica montada na origem do PT, que misturou marxismo com catolicismo progressista. "Ele era o partido dos operários e também do povo de Deus". Projetos com os quais o PT já não se comove, diz Alencar, para quem "ser de esquerda no Brasil de hoje é moer no áspero."

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