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‘Esse lugar não serve mais para a gente’, diz família que escapou da lama

Moradores de Brumadinho contam que saíram de casa apenas com as roupas do corpo e os documentos

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:
Trauma. Lígia, Valdeci e os filhos não voltaram para casa nem mesmo para juntar as coisas. 'Só quero criar minhas crianças em paz', conta ela Foto: Wilton Junior/Estadão

BRUMADINHO (MG) - Há seis pessoas nesta foto. O mais recente membro da família, no entanto, é também o mais discreto. Há três meses na barriga da mãe, Lígia Natália Ribeiro, de 31 anos, o bebê ainda não tem nome. Os pais também não sabem se é menina ou menino. Não importa. O bebê de Lígia e Valdeci Ferreira Souza, de 29 anos, ainda não pisou no mundo, mas já nasceu de novo. 

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Na sexta, quando sua mãe preparava o almoço, a família ouviu um estrondo ao longe. “Achei que era bomba, trovão. A gente saiu de casa e olhou para o céu. Estava limpo, não entendemos. Então, voltamos para almoçar”, diz Ligia.

Pouco mais de dez minutos depois, um menino apareceu gritando na rua. “Cooorre! Cooorre! A barragem explodiu, explodiu!”. Não deu tempo para mais nada. Valdeci pegou pelos braços o pequeno Lucas, seu “super-homem” de 2 anos.

Com Gabriele e Sara, de 11 e 7 anos, os pais largaram os pratos na mesa e correram para a rua só com as roupas do corpo e documentos. Escaparam com vida. “Não queremos mais ir lá”, diz Valdeci. “Tenho pesadelo todo dia. Esse lugar não serve mais para gente. Só quero criar minhas crianças em paz.” A família não voltou para casa, nem mesmo para juntar suas coisas. Nem poderia. “Está tudo bloqueado. A gente não pode ir lá, não deixam passar”, diz Lígia. 

É verdade. Brumadinho se transformou em uma área militarizada. Nesta quarta-feira, 30, o Estado percorreu boa parte das ruas de Casa Branca, bairro mais próximo ao Córrego do Feijão, onde ficava a mina da Vale. Policiais militares estão por todos os lados. Tanta mobilização nas ruas teria a missão de evitar, segundo a PM, saques. O Estado questionou diversos policiais sobre alguma ocorrência registrada. Nenhuma notícia. 

Na frente do supermercado da pequena praça do bairro, um grupo de sete policiais conversava na calçada do Empório Casa Branca. “Ficaram aí o dia todo, só que não aconteceu nada aqui”, disse a atendente. “O problema não está aqui, o senhor sabe. Está na lama.”

São quase 300 desaparecidos nas contagens oficiais, mas a PM declarou que a cidade precisa retomar o “clima de ordem”. Não há essa desordem em Brumadinho. Há tensão, tristeza, indignação e um exército de voluntários que, também com apoio policial e do Corpo de Bombeiros, saiu de toda a parte para trabalhar incansavelmente em buscas pela região.

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Nos trilhos que sobraram da estrada de ferro que teve sua ponte carregada pela catástrofe, alguns militares de Minas encontraram tempo para fazer “selfies”, na beira do precipício de lama. Lá embaixo, a poucos metros da ponte caída, uma equipe de 13 membros da Cruz Vermelha trabalha desde as 15 horas da sexta-feira, em buscas pelas vítimas. Já encontrou muitas. 

Reforço

Nesta quarta-feira, o trabalho desses voluntários ganhou um reforço crucial que, há quatro dias, já estava à disposição, mas foi travado por burocracias diplomáticas. O diretor da organização espanhola K-9 de Creixell, Pedro Frutos, especializada em cães farejadores, saiu da Europa no sábado com oito agentes e oito animais para auxiliar nos trabalhos em Brumadinho.

“Atendemos a um pedido”, disse Frutos, exibindo um convite que recebeu do governo de Minas. Seus cães, porém, só obtiveram aval para ir a campo quatro dias depois. “Tivemos de ficar na pousada esse tempo todo.” 

Os cães que vieram da Espanha só entraram na lama da Vale após a organização receber um convite para integrar o time da Cruz Vermelha. As buscas na lama prosseguem, sem data para acabar.

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