Estudo mostra insatisfação de policiais

Números revelam também condição preocupante de trabalho

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Por Fernanda Aranda
Atualização:

Pesquisa inédita realizada a pedido do Ministério da Justiça (MJ) deu voz aos policiais brasileiros e encontrou altos índices de insatisfação com o modelo de gestão da segurança nacional, além de números que revelam condições de trabalho preocupantes. Foram ouvidos 64.130 homens das polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros, da Guarda Civil e agentes do sistema penitenciário. Um em cada cinco afirmou já ter sido torturado em serviço e mais da metade (53,9%) disse ter sofrido humilhações de superiores. Uma parcela ainda maior, 72,2%, reconheceu que há mais rigor com as questões internas - como exigir botas perfeitamente engraxadas - do que com fatores que afetam, de fato, a segurança pública. O estudo entrevistou os participantes com a aplicação de questionários virtuais entre abril e maio. Os pesquisadores, ligados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, identificaram que 69,8% de cabos, praças, sargentos, delegados, agentes e oficiais querem mudanças no modelo institucional e, na avaliação dos autores, a origem das reivindicações está atrelada também à vitimização da profissão, mapeada de forma pioneira na enquete. Um dos dados encontrados é que 20,5% sofreram tortura. Apesar do questionamento sobre a utilização dessa prática não ter contemplado só agressão física mas também tortura psicológica, a pesquisa ressalta que não pode ser desconsiderado que a violência é ainda um "instrumento pedagógico" nas instituições policiais. Os pesquisadores ressaltaram que "o sofrimento mental pode ter inflacionado o porcentual de respostas afirmativas, no entanto, essa teoria é enfraquecida porque no mesmo questionário foi abordado quantos deles sofreram humilhação", o que seria só assédio verbal. Nesse caso, o índice encontrado foi muito maior: 53%. As taxas de tortura são mais altas entre PMs e bombeiros - 26,7% e 25,9%. "A impressão de que o militarismo favorece o próprio policial caiu por terra com a pesquisa", afirma Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes e autora da publicação. "E não é só a arquitetura da gestão que é questionada. Os policiais são os primeiros a serem críticos com o próprio desempenho, sabem que a segurança não vai bem." Luiz Eduardo Soares - outro autor da pesquisa e ex-secretário Nacional de Segurança Pública - acredita que o atual modelo herdado da época da ditadura é arcaico para o contexto atual e "essa sensação está na prática". Para ele, "o sentimento de vitimização encontrado é uma das essências que o próprio molde de gestão acarreta". CIVIS Ainda que os militares tenham se mostrado mais sensíveis, as críticas também aparecem na instância civil. Entre eles, os índices de ameaça no serviço, discriminação e até assédio sexual foram o maiores do que os detectados em militares. O advogado Roger Franchini (que acaba de lançar o livro Ponto Quarenta, Polícia Civil para leigos) desligou-se da Polícia Civil em 2008, após seis anos no posto de investigador de São Paulo. Agora, está à vontade para criticar o modelo que precisou seguir. "Os meus treinamentos de tiro, por exemplo, eram feitos sem proteção auricular, porque diziam que eu tinha de me acostumar com aquilo", cita como um dos exemplos. "Há uma exigência de ultrapassar o limite físico, sem contrapartida de salários dignos. O estresse aumenta porque para o policial a ameaça, constante, de perder o emprego parece mais grave. Se você é mandado embora, não há como procurar trabalho em outra delegacia, as portas fecham para sempre." Franchini diz ter sido repreendido pela polícia por enviar uma carta a um jornal criticando a estrutura da academia. Um inquérito de prevaricação foi instaurado contra ele (já arquivado) e um processo de crime de opinião política por causa disso está em andamento. Regina Mikki, diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública, ligada ao MJ, disse os dados encontrados "servirão de ponto de partida para a criação de grupos de trabalho para aperfeiçoar a condição de trabalho das polícias". O secretário-geral do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, acredita que os indicadores servem para sustentar o debate prático, e não só acadêmico, da necessidade de mudança.

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