Eu, ela e o Ronaldo

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Por Antonio Prata
Atualização:

Hoje, como em todos os últimos domingos, minha mulher está irritada comigo. Logo logo passará pela sala, onde estou a ler o jornal e, sem olhar-me, dirá "então acho que eu vou almoçar com as minhas amigas", ou, "então acho que eu vou ao cinema" ou "então eu devia ter ido para a praia com o Guga". Atentem para o "então". Eis a palavra mais importante da frase. É com ela que meu amor tenta cutucar-me, mais do que com o possível almoço, cinema ou a praia perdida. Acontece que, desde que o Ronaldo veio para o Corinthians, dei para gostar de futebol e ela perdeu-me nas noites de quarta e nas tardes de domingo. Durante a semana, nos vemos pouco. Ela chega do trabalho exausta, depois das nove. Muitas vezes, a essa hora, eu ainda estou a pleno vapor, aqui no escritório. Quando termino, ela já está mais pra lá do que pra cá e acaba dormindo no meu colo, enquanto leio ou vejo um filme. Antes do Ronaldo, o fim de semana era todo nosso. Teatro, jantar, cinema, almoço na casa de amigos, longos domingos com jornais e revistas se espalhando pelo chão, farofa e frango de padaria sobre a mesa. Eu poderia até dizer que foi com meu amor que aprendi a gostar dos domingos. Antes dela, eles eram uma câmara de descompressão entre os embalos de sábado à noite e as toneladas de compromissos da semana, que me davam uma angustiazinha chata assim que a tarde caía, acenando-me do outro lado do muro. Com ela, aprendi que o domingo deve destinar-se a atividades leves e prazerosas. Uma comédia, de tarde. Carne branca. Leitura de revistas. Uma pequena exposição. Álcool e multidões devem ser evitados. E então veio Ronaldo. Antes dele, eu não sabia o nome de três jogadores do Corinthians. Agora, depois de mais de um mês diante da TV, minha mulher já me ouve dizendo coisas como "ihhh, hoje o Douglas não tá inspirado!" ou "Pô, André Santos, olha o Elias livre ali na esquerda!" - e ela não fica nada feliz, com isso. Não é que não goste de futebol. Quando o Ronaldo fez aquele gol contra o Palmeiras e subiu no alambrado, ela até chorou, junto comigo. O problema é que ela suspeita que isso seja apenas o começo. Se, no segundo mês de casamento, o cara começa a gostar de futebol, o que virá no terceiro? Boliche? Pagode? Quem sabe, até, o fim do ano, um bigode? No fundo de toda mulher vive o pânico de que seu homem torne-se o Homer Simpson. E, no fundo de todo homem, ou, pelo menos, daqueles que compreenderam, mesmo que tardiamente, a beleza do esporte bretão, existe o temor de que o Corinthians não passe pelo São Paulo, hoje à tarde. Vai, Douglas! Olha o Elias, André! Pedala, Ronaldo! Onde cê vai, meu amor?!

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