''Eu queria morrer logo''

Edna Rodrigues de Souza, A DINA DOS PERDIDOS

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Por Redação
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"Eles me derrubaram. Eu corri para o mato e os policiais militares foram atrás. Quando cheguei à minha casa, não tinha mais nada. Só porcos mortos, livros destruídos. Fui para a beira do rio com um sobrinho, Paulo, de 3 anos. Andamos a cavalo até Santa Luzia dos Perdidos, distante oito quilômetros. Lá, me derrubaram do cavalo e me empurraram com aquela arma com faca na ponta. Seguraram o menino. Só me chamavam de terrorista. Me amarraram. Vi outros policiais tirarem as roupas da minha amiga Helena. Amarraram o marido dela, o Antônio, no cabresto de um jegue. O Antônio virou as costas, a mulher dele pedindo socorro. Foi violentada. Eu disse para um policial que preferia morrer a sofrer aquilo. "Uma mulher não tem força para enfrentar homem", respondeu. Eu disse: "Para homem não, para covarde. Vocês não respeitam a farda do governo". Fui violentada também. Depois, com saco na cabeça e mãos para trás, fui levada para Marabá, onde fiquei 15 dias. Escarravam na comida e me davam para comer. Eu queria morrer logo. O capitão Cleto disse que eu não podia morrer ainda, tinha de conversar com eles. Me levaram presa para Belém. Passei 85 dias no total na prisão. Imagino que aqueles homens não eram policiais. Eram pistoleiros de farda. Só diziam que éramos "o resto dos terroristas". Sou de Pastos Bons, Maranhão. Tenho 46 anos de Pará. Só estou viva porque fiquei calada. Quem mata, eu não sei. Tenha cuidado nessa pesquisa. Na prisão, inventava histórias. Era pecado mentir, mas não tinha outro jeito para sofrer menos. Não tinha jeito de morrer logo. João viu que não foi o meu querer. Não existe um texto sem personagem, um teatro sem personagem. Eu evito contar sobre os outros, mas tenho de contar essa história, a história que é minha."

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