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EUA discutem se erros da polícia bastam para invalidar provas

Exclusão automática de evidências, medida que não existe em nenhum outro país, garante quarta emenda

Por Adam Liptak
Atualização:

Bradley Harrison estava dirigindo um Dodge Durango alugado de Vancouver a Toronto no outono de 2004, com 35 quilos de cocaína no porta-malas, quando um policial pediu que parasse, encontrou as drogas e o prendeu.   Um ano e meio depois, um juiz de Ontário decidiu que a conduta do policial foi uma violação dos direitos de Harrison. A explicação do oficial para ter parado o carro foi ensaiada e tinha pouca credibilidade, disse o juiz, e a revista do carro "foi certamente pouco razoável."   Nos Estados Unidos, isso seria uma boa notícia para Harrison. Sob o sistema legal americano, a evidência contra o criminoso foi resultado de uma revista ilegal e, portanto, não pode ser usada contra ele.   No entanto, no Canadá as apelações de Harrison foram negadas e o juiz se recusou a excluir a evidência. Harrison foi sentenciado a cinco anos de prisão.   "Sem minimizar a seriedade da conduta do policial ou de qualquer maneira aceitando o procedimento", disse a Corte, "a exclusão dos 35 quilos de cocaína, com um valor no mercado chega a milhões de dólares e potencial de causar miséria para muitos, levaria a uma grande falta de confiança na justiça, ao contrário da sua admissão." O caso foi agora para a Suprema Corte Canadense.   Os Estados Unidos são o único país que suspende evidências físicas quando há evidências de problemas de conduta dos policiais. A regra se aplica se o problema de conduta for pequeno ou muito sério, e sem nenhuma consideração quanto à gravidade do crime cometido pelo infrator. "Países estrangeiros têm rejeitado nosso procedimento", disse Craig M. Bradley, especialista em leis criminais da Universidade de Indiana. "Em qualquer outro país, é função do juiz decidir se a má conduta do policial requer a exclusão das provas."   No entanto, há sinais de que alguns juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos podem estar prontas para reconsiderar a versão americana da regra de exclusão. Escrevendo pela maioria há dois anos, o juiz Antonin Scalia disse que pelo menos algumas condutas inconstitucionais não deveriam exigir "a supressão maciça para a correção das provas de culpa."   A corte deve logo ter uma oportunidade de esclarecer a questão. Os juízes vão ouvir os argumentos, em 7 de outubro, sobre a supressão da metanfetamina e da arma de Bennie Dean Herring, de Brundidge, Alabama, porque os policiais fizeram a revista por engano: ele acreditavam que Herring fosse um foragido, devido à falta de cuidado no armazenamento de dados de outro departamento policial. Em qualquer lugar do mundo, as cortes rejeitariam o que a corte de apelação de Ontário chamou de "regra da exclusão automática, similar à lei americana da jurisprudência dos direitos."   A Austrália também usa um teste. Ela considera a seriedade da má conduta policial, se os superiores aprovaram ou toleraram, a gravidade do crime e o poder da evidência. "Qualquer falta de justiça com um acusado em particular" na maioria dos casos, escreveu a corte australiana em 1995, "vai ser de importância não mais que periférica."   A Corte Européia dos Direitos Humanos, uma instituição notadamente liberal, recusou, em 2000, a supressão de evidências conseguidas ilegalmente, que usou para condenar um homem por importar heroína para a Inglaterra. Isso não fez seu julgamento menos justo, disse a corte. Nos Estados Unidos, ao contrário, evidências contra criminosos são rotineiramente e automaticamente excluídas quando a má conduta policial é identificada. Na última semana de junho, por exemplo, corte na Georgia, Ohio, Pennsylvania, Virginia e Washington suprimiram evidências de casos que envolviam drogas, armas, assaltos e pornografia infantil.   Alguns especialistas em leis criminais dizem que a natureza descentralizada dos Estados Unidos, com milhares de departamentos locais de policia por todo o país, precisa de regras mais consistentes quanto à má conduta. Os sistemas no Reino Unido e no Canadá são notavelmente menos descentralizados, e, portanto, mais facilmente controláveis.   Mas nem sempre. O policial que parou o carro de Herrison pensou que o carro deveria ter uma placa na frente, mesmo o carro sendo de Alberta, que não obriga a placa frontal. "Nós respeitamos a decisão das cortes", disse Pierre Chamberland, porta-voz da polícia de Ontário.   Aqueles que apóiam a prática americana dizem que apenas a aplicação rígida da norma da exclusão pode impedir violações da Quarta Emenda, que proíbe revistas sem motivos claros.   "A regra da exclusão impede a má conduta policial de maneira direta e eficiente", disse National Association of Criminal Defense Lawyers sobre o caso a ser julgado em outubro. "Ela reduz o valor da evidência conseguidas como resultados de violações e desencoraja policiais a cometerem tais violações."   Oponentes da regra dizem que ela é indireta, incompleta e em algumas maneiras, perversa. Mesmo que detenha as revistas ilegais, a exclusão de evidências, por exemplo, não oferece nenhum conforto para pessoas inocentes que sofreram revistas ilegais.   Mais importante, como o juiz Robert H. Jackson escreveu em 1954, a regra de exclusão "priva a sociedade da justiça contra o criminoso porque ele foi revistado por outro criminoso." Ou, como na formulação do juiz Benjamin Cardozo em 1926, "o criminoso vai livre porque a polícia errou."   Esses argumentos continuam a fazer sentido para alguns especialistas.   "Muitos especialistas argumentam que a exclusão obrigatória deve ser reexaminada", disse David A. Sklansky, professor da Universidade da Califórnia. "Esses especialistas não estão sempre à direita no espectro político." Para o professor, a norma continua a valer seus custos.   A maioria dos especialistas continuam apoiando a norma, disse Orin S. Kerr, professor de direito da Universidade George Washington. "A experiência dos EUA é uma conseqüência da história", disse. "É uma resposta pelo fato de a polícia não seguir a lei, na falta desse remédio."   A idéia de que a exclusão é a resposta apropriada para a má conduta policial é relativamente recente na história.   "Aqueles que apóiam a norma não podem apontar nenhuma declaração importante da fundação apoiando a exclusão de evidências como defesa da quarta emenda", disse Akhil Reed Amar, professor de direito da Universidade de Yale, em 1994. De acordo com o professor Amar, para os fundadores, a quarta emenda seria defendida com processos civis, e não com a exclusão.   Hoje em dia, professores e advogados de defesa dizem que processos civis são menos eficientes. Criminosos condenados não são requerentes atrativos, e eles podem não ter recursos para processar, particularmente atrás das grades.   A Suprema Corte começou a requerer exclusões de provas em 1914 - mas apenas em casos federais.   Muitas décadas depois, a Suprema Corte se negou a aplicar o princípio para os Estados, dizendo que eles poderiam escolher o remédio apropriado para a má conduta policial - incluindo processos civis e criminais.   Não foi até 1961 que a Suprema Corte concluiu, em um caso, que apenas a supressão obrigatória das evidências poderia adequadamente inibir a má conduta policial, estadual ou federal.   A Suprema Corte tem reduzido significativamente a importância da regra da exclusão, limitando sua aplicação e criando exceções para ela. O juiz chefe John G. Roberts Jr e Antonin Scalia notaram em recentes decisões que a atitude americana nessa área é única, e foi universalmente rejeitada em todos os outros países.   Muito mudou desde que a regra da exclusão foi aplicada aos Estados em 1961, disse Scalia. Os departamentos policiais são mais profissionalizados, e diversos tipos de processos civis contra policiais estão disponíveis.   O juiz Stephen G. Breyer, disse que a exclusão continua sendo a melhor e mais confiável de prevenção. Ele acrescentou que a lógica das objeções não se limitava a violações do protocolo de "bater e anunciar" mas era "um argumento contra o princípio da exclusão em defesa da própria quarta emenda."

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