'Se algo não foi feito, não foi feito por decisão local', diz ex-presidente da Vale

Em depoimento prestado sobre a tragédia de Brumadinho, Fabio Schvartsman disse que gerenciar uma companhia como a Vale exige uma estrutura de compartilhamento de responsabilidades

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Por Teo Cury
Atualização:

BRASÍLIA - Em depoimento prestado na manhã desta quinta-feira, 28, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as causas do rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho (MG), o ex-presidente da mineradora Fabio Schvartsman disse que gerenciar uma companhia como a Vale exige uma estrutura de compartilhamento de responsabilidades e que "se algo não foi feito, não foi feito por decisão local".

O presidente afastado da Vale, Fabio Schvartsman, adiou depoimento na CPI de Brumadinho; ele passou por uma cirurgia (27/03/2017) Foto: Alex Silva/Estadão

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"A responsabilidade, se houver, é certamente da área técnica. Não há dúvida de que houve algo tremendamente errado e tenho certeza que as investigações vão apontar os responsáveis. As pessoas da região tinham autonomia e independência financeira para tomar essa decisão. Existe essa delegação de responsabilidade para que haja a possibilidade de uma ação para prevenir o acidente. Se algo não foi feito não foi feito por decisão local. Nunca foi objeto de qualquer tipo de discussão em níveis mais altos da organização", disse aos senadores presentes na audiência.

A convocação do executivo para prestar depoimento é a primeira medida adotada pela CPI de Brumadinho. Sua oitiva estava marcada inicialmente para a última quinta-feira, 21. Em recuperação após uma cirurgia de catarata no olho direito, Schvartsman teve de adiar sua participação na audiência. 

Em sua fala no início do depoimento, o ex-executivo disse que cada área da mineradora tinha condições de gerenciar riscos e tomar as decisões necessárias à sua operação com segurança. Schvartsman afirmou que o rompimento de uma barragem é um ato que exige uma verificação "física" e "in loco". "Se porventura alguém escondeu essas informações fez uma coisa terrível que acabou causando esse desastre. Mas isso o tempo vai dizer. E certamente havia nas responsabilidades locais tanto a autoridade como a independência, inclusive financeira, para tomar a atitude necessária." 

O ex-presidente da mineradora voltou a dizer que "jamais" chegou a seu conhecimento denúncias relatando risco iminente de rompimento de barragens. "Ao contrário, todos os relatórios enviados à diretoria e ao Conselho de Administração indicavam estabilidade das barragens", disse.

Durante as quatro horas de depoimento, Schvartsman afirmou repetidas vezes que todos os laudos técnico reforçaram a estabilidade e a "boa qualidade" das barragens da mineradora. "Com relação às estruturas, eu peço aos senhores que entendam que a Vale tem 500 estruturas. A de Brumadinho é uma das 500. Eu sequer sabia que existia escritório administrativo abaixo da barragem. É impossível saber, são 500."

Ele lembrou aos senadores que a empresa de autoria alemã Tüv Süd está sendo processada no Brasil e na Alemanha por seu relatório. "A Tüv Süd é uma das maiores auditorias do mundo. Jamais poderia passar pela nossa cabeça que uma empresa desta categoria e que vinha fazendo esses laudos para todas as empresas do Brasil e do mundo corresse o risco de dar um laudo para algo que não tem estabilidade".

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Questionado pela presidente da comissão, senadora Rose de Freitas (Pode-ES), se pensa em processar os técnicos que supostamente mentiram em seus laudos, ele disse que é preciso aguardar a conclusão das apurações. "Encerrada a investigação e apresentados os culpados eu vou avaliar que situação eu vou tomar. Não tenha a menor dúvida de que vou tomar as atitudes necessárias para dar resposta melhor à sociedade contra as pessoas que me enganaram, se isso for caracterizado."

Os senadores presentes na oitiva reclamaram das informações trazidas pelo executivo. Na avaliação dos parlamentares, Schvartsman não apresentou detalhes nem novos fatos que pudessem auxiliar a entender os motivos do rompimento da barragem. Para o senador Jorge Kajuru (PSB-GO), Schvartsman agiu de maneira dissimulada. O senador disse ainda que, se pudesse, o prenderia para "ter a possibilidade de uma delação premiada" com o objetivo de "saber os culpados deste crime". "Não tem nada de acidente, de tragédia, foi um crime. O senhor tem conseguido dormir?", questionou.

"Eu gostaria de contribuir, por seu próprio bem, e dizer que hoje, no Direito Penal, essa atitude omissiva não o absolve e ainda se encaixa perfeitamente na teoria de domínio do fato. Isso é típico e vai levá-lo para um caminho muito perigoso. Esteja ciente de que está cavando a própria cova", disse a senadora e ex-juíza Selma Arruda (PSL-MT). "Esse cinismo… Essa frieza é patológica." 

A jornalistas, o relator da CPI, o senador Carlos Viana (PSD-MG), afirmou que a Vale está montando "uma grande estratégia" para não dar publicidade ao que aconteceu. "A meu ver, o que eles querem é levar para a Justiça, querem fazer com que os processos se arrastem no judiciário brasileiro, assim como fizeram com Mariana." De acordo com o relator, o ex-presidente da mineradora deve ser chamado para prestar novos depoimentos ao longo dos próximos meses. 

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O requerimento convocação de Schvartsman, de autoria dos senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também determina a convocação do presidente interino da mineradora, Eduardo Bartolomeo, para prestar esclarecimentos. Ainda não há uma data para sua oitiva.

“Encareço a vossa excelência a gentileza de reagendar a citada reunião para data futura, em oportunidade na qual, recuperado, estarei à disposição desta CPI para prestar os devidos esclarecimentos referentes ao tema investigado”, escreveu. 

O rompimento da barragem de rejeitos na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, deixou ao menos 203 mortos. Segundo a Defesa Civil de Minas Gerais, 105 pessoas ainda estão desaparecidas, dois meses após a tragédia. Um total de 395 pessoas foram encontradas com vida na região após a tragédia.

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