'Existia em Brasília uma cultura de não investigar políticos'

Para delegado, corrupção no DF sobreviveu à Operação Caixa de Pandora, mas ele garante que ação contra a impunidade será intensa

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Foto do author Fausto Macedo
Por Vannildo Mendes e Fausto Macedo
Atualização:

Daniel Lorenz

, secretário de Segurança do Distrito Federal

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A polícia brasiliense, reconhecida por ter resultados operacionais acima da média nacional - soluciona 52% dos homicídios, índice cinco vezes maior que a média nacional, que não passa de 10% -, tem um "calcanhar de Aquiles": não investiga políticos e nunca pôs um corrupto na cadeia. Há um mês no cargo de secretário de Segurança, o delegado federal Daniel Lorenz diz que a era da impunidade acabou. "Nós vamos atrás dos corruptos, com operações bem feitas e com provas de qualidade", avisou. "A partir de agora, se andar errado, pau nele."

Egresso da área de inteligência, Lorenz recebeu o Estado em seu gabinete, ainda em fase de ajustes. Ele procurava local para fixar dois adereços inseparáveis, não importa onde está: a bandeira do Internacional de Porto Alegre e uma foto autografada do Papa João Paulo II, em cuja segurança atuou como atirador de elite do Comando de Operações Táticas (COT), na visita ao Brasil em 1991. Adepto das novas tecnologias, ele usa um smartfone, o qual chama de "disque-desgraça", que mostra em tempo real as ocorrências policiais.

O novo xerife disse ter informações de que a corrupção em Brasília é mais abrangente do que se imagina e sobreviveu à Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, que prendeu o ex-governador José Roberto Arruda em 2010 e indiciou mais de 30 suspeitos, entre parlamentares e secretários de Estado. O esquema, batizado de "mensalão do DEM", corria solto sob o olhar omisso da polícia local desde a década de 90. "Existia na cidade uma cultura de não investigar político", constatou.

Qual a situação da segurança no Distrito Federal?

Como no resto do País, a insegurança cresceu também em Brasília, mas a situação ainda é confortável quando comparada à média nacional. O problema é mais preocupante na região do Entorno. A boa situação de Brasília resulta de vários fatores: além do alto padrão de vida dos moradores, o governo do Distrito Federal paga os melhores salários aos policiais, civis e militares, que desfrutam também de excelentes condições de trabalho. Na PM, o salário inicial de soldado é de quase R$ 5 mil. Na Polícia Civil, um agente começa ganhando R$ 7,5 mil e um delegado em início de carreira R$ 13 mil.

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Mas a sensação de insegurança da população persiste. Por quê?

A polícia local trabalha com planejamento estratégico, produz estatísticas confiáveis e tem elevado índice de resolução de crimes. No caso dos homicídios, o índice é de 52%, quando a média nacional é de 10%. A demora na solução do crime da 113 Sul (assassinato do ex-ministro do TSE José Guilherme Villela, em agosto de 2009), foi uma exceção derivada de uma série de erros, sobretudo da guerra de vaidades de autoridades que atuaram no caso. Mas a nossa polícia tem quadros excelentes e tradição de eficiência em investigação criminal. O caso terá desfecho em breve.

Mas é uma polícia que não combate corrupção e foi surpreendida com a Caixa de Pandora.

De fato essa é uma deficiência e o novo governo vai corrigir, até porque temos indícios de que a corrupção em Brasília sobreviveu à Caixa de Pandora. Essa omissão ocorre porque na cidade existia uma cultura de não investigar políticos. Mas isso vai mudar. A polícia vai usar toda sua eficiência para investigar a corrupção com rigor.

Como vai mudar essa cultura? Quando assumi o cargo, fiz uma provocação aos nossos policiais: Se eles (a Polícia Federal) fazem uma Operação Caixa de Pandora, por que vocês não? Eles se espantaram no começo, mas tomaram gosto e já temos uma meia dúzia de operações engatilhadas. Teremos em breve novidades importantes. A polícia de Brasília vai atuar com firmeza contra a corrupção, que prosperou justamente pela impunidade e falta de investigação policial.

Que medidas o senhor está adotando nesse sentido?

Eu dei passos concretos: fortaleci a Delegacia de Repressão aos Crimes contra o Patrimônio Público e estou tomando medidas para um combate eficiente à corrupção com o mesmo rigor técnico da PF, que será chamada a ajudar nas investigações contra desvio de dinheiro público. A partir de agora, se andar errado, pau nele. Nós vamos atrás dos corruptos, com operação bem feita e com prova de qualidade.

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Em que setores a investigação vai focar?

Todos, mas uma das áreas expostas à corrupção onde vamos atuar com certeza é a grilagem de terras. Estamos montando também uma corregedoria forte, que atue de verdade. É preciso que a corregedoria promova uma limpa e atue no sentido da prevenção e na cobrança de resultados internos, tanto para evitar que policiais fiquem tanto tempo respondendo a um processo administrativo quanto para dar celeridade e eficácia aos inquéritos. Não tem como negociar o desvio de conduta.

Em que se baseia seu projeto?

O plano tem cinco pilares: planejamento estratégico, gestão operacional voltada para a qualidade e urbanidade no tratamento ao cidadão, estrutura de inteligência, corregedoria forte e investimento no talento humano. Uma polícia tão bem aquinhoada não pode ser truculenta.

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