Pais, mães, maridos, mulheres e filhos esperam por notícia – qualquer uma, de vida ou morte. Esgotados emocionalmente, imaginam que o familiar possa estar perdido na mata
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Por André Borges
Atualização:
BRUMADINHO (MG) - As vozes são de desespero e estão espalhadas pelas ruas da cidade, por dentro da mata, nas encostas da tragédia, nas áreas onde o barro já secou, em trilhas e hospitais. Estão nos bloqueios policiais, nas unidades de atendimento. São as vozes das famílias, daqueles que perambulam dia e noite por Brumadinho em busca de alguém.
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A tragédia da mina de rejeitos da Vale não cessou. Ela se agrava a todo instante e avança dentro de cada um que ainda espera por uma notícia sobre seu desaparecido, seja ela qual for. Na semana passada, o pedreiro Wilson Joaquim Fonseca da Silva ainda celebrava o primeiro emprego da filha, Camila Aparecida, de 16 anos. A menina havia arrumado uma vaga como camareira na Pousada Nova Estância apenas quatro dias antes de a barragem acabar com tudo e a construção desaparecer embaixo da lama.
“Minha menina estava feliz. Falou que ia usar o primeiro salário pra reformar a nossa casa”, diz o pai, aos prantos. “Ela gostava de se pintar, de ficar bonita. E brigava comigo para eu comprar um batom, um esmalte pra ela.”
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
1 / 12Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Hannah Pires Lemos, filha de Ângelo Gabriel da Silva Lemos, 54 anos: 'Não sabemos de nosso pai' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Wilson Joaquim Fonseca Silva, pai de Camila Aparecida F. Silva, 16 anos: 'Queria trabalhar para reformar a casa.' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Angélica Maria de Souza, irmã de Renato Eustáquio de Souza, 30 anos: 'Só estão preocupados com os bilhões' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Gabriel Ferreira Campos, primo de Rodrigo Miranda, 31 anos: 'Perdi meu primo e mais de 20 amigos' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Nayara Cristina Dias Ferreira, mulher de EvertonLopes Ferreira, 32 anos: 'Tomo remédios para dormir' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Paulo Anniceto Gomes,pai de Everton GuilhermeFerreira Gomes, 20 anos: 'Vasculhei a mata atrás dele' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Shirley Aparecida dos Santos, mulher de Josué Oliveira da Silva, 27 anos: 'Ele estava só há oito dias na empresa.' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Karine Naiara da Silva Andrade, irmã de Natália Fernanda, 32 anos: 'Há negligência. Estamos esquecidos' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Fernanda Maria Ribeiro da Silva, irmã de Adriano Ribeiro da Silva, 60 anos: 'Perdi cinco familiares de uma vez' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Luciana de Brito Chagas, mulher de Wesley Antônio das Chagas, 36 anos: 'Família e amigos estão me apoiando' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
José Rodrigues de Amorim, pai de João Paulo Ferreira de Amorim, 31 anos: 'Deixou esposa e uma filha de 4 anos' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
Famílias de Brumadinho choram seus desaparecidos
Manuel Almeida Andrade, pai de Lenilda Cavalcanti Andrade, 36 anos: 'Eu vim atrás do corpo de minha filha' Foto: WILTON JUNIOR/ESTADAO
A indignação causada pela falta de informações sobre a localização de vítimas desaparecidas é generalizada entre as famílias, por mais que as autoridades e a mineradora Vale insistam em declarar, oficialmente, que prestam todo apoio possível. “Vejo essas pessoas discutindo multas, esses bilhões todos, enquanto o meu irmão está embaixo daquela lama e ninguém tira ele de lá”, diz Angélica Maria de Souza, irmã de Renato Eustáquio de Souza, de 30 anos, desaparecido. “É um descaso com as pessoas. Dinheiro nenhum vai trazer meu irmão de volta.”
Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
1 / 37Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho
Tragédia em Minas Gerais
A Agência Nacional de Mineração (ANM) declarou que a mineradora Vale vistoriou, em dezembro de 2018, estrutura da barragem de Brumadinho sem ter apont... Foto: Washington Alves/ReutersMais
Moradores
É comum ver imagens de moradores de Brumadinho olhando para o horizonte em silêncio Foto: Mauro Pimentel/AFP
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiro recolhe gaiolas no meio do mar de lama da catástrofe de Brumadinho. Foto: Adriano Machado/Reuters
Animais
Equipes de resgate voluntáriastentaramsalvar a vaca que esta atolada na lama de rejeitos de ferro. O animal teve que ser sacrificado. Foto: Wilton Junior/Estadão
Dificuldade no resgate
Bombeiros têm dificuldade de acessar algumas áreas para fazer o resgate dos sobreviventes Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Uma barragem de rejeito se rompeu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
Lama destruiu estrada em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
A tragédia aconteceu na altura do km 50 da Rodovia MG-040. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
As barragens pertencem à mineradora brasileira Vale. Foto: Washington Alves/Reuters
Catástrofe ambiental e humana
Bombeiros tentam, sem sucesso, resgatar uma vaca atolada após rompimento de barragem. Foto: Adriano Machado/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Segundo informações do site da Vale sobre as barragens da região, a estrutura que se rompeu foi construída em 1976. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
A prefeitura de Brumadinho pediu que a população mantenha distância do leito do Rio Paraopeba, que é um afluente do São Francisco. Foto: Douglas Magno/AFP
Tragédia em Minas Gerais
A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), responsável pelo abastecimento de água na região metropolitana de Belo Horizonte, afirmou que não ... Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas GeraisMais
Tragédia em Minas Gerais
Segundo a Vale, a área administrativa, onde estavam os funcionários, foi atingida, assim como a comunidade da Vila Ferteco. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Os bombeiros enviaram equipes com policiais civis e militares, além de enfermeiros e medicamentos. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Kombi foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
Casa foi destruída e foi soterrada pela lama após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
O governo federal montou um gabinete de crise em Brumadinho. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho observam a lama que atingiu a cidade. Foto: Washington Alves/Reuters
Tragédia em Minas Gerais
No município de Brumadinho vivem cerca de 40 mil pessoas. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O rompimento das barragens da Vale aconteceu na tarde de 25 de janeiro de 2019. Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
O presidente Jair Bolsonaro fez pronunciamento no Palácio do Planalto, em Brasília, sobre a tragédia em Brumadinho. Foto: Ernesto Rodrigues/Estadão
Presidente Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro observa destruição causada após rompimento de barragem da Vale em sobrevoo a Brumadinho Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República
Tragédia em Minas Gerais
Voluntários trazem doações para as vítimas da tragédia em Brumadinho. Foto: Paulo Fonseca/EFE
Tragédia em Minas Gerais
Bombeiros retomaram os trabalhos na manhã deste sábado, 26. Foto: Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Tragédia em Minas Gerais
Fernando Nunes de Araujo é uma das dezenas de pessoas que começam a chegar na faculdade ASA de Brumadinho, onde deve ser divulgada a primeira lista de... Foto: Wilton Junior/EstadãoMais
Batalha pela Vida
Bombeiros voltam enlameados após resgate em uma das áreas atingidas pelorompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em Minas Gerais. Foto: Wilto...Mais
Estrada
Moradores observam trabalho dos bombeiros em estrada bloqueada pela lama em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Carro atolado
Um carro ficou atolado e destruído no meio da lama após o rompimento de barragem em Brumadinho (MG) Foto: Wilton Junior/Estadão
Helicoptero
Um helicóptero sobrevoa a cidade de Brumadinho, buscando vítimas após o rompimento da barragem Foto: Wilton Junior/Estadão
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho
Bombeiros tentam encontrar sobreviventes em Brumadinho após rompimento de barragem Foto: Washington Alves/Reuters
Corpo encontrado
Bombeiros carregam o corpo de uma das vítimas do rompimeto da barragem em Brumadinho até posto montado em frente da Igreja de Nossa Senhora das Dores Foto: Wilton Júnior/Estadão
Ponte
Ponte arrastada pela lama nas proximidades da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG, de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerta/EFE
Área devastada
Área devastada pela lama após o rompimento da barragem do Córrego do Feijão,de propriedade da mineradora Vale Foto: Wilton Júnior/Estadão
Equipe de resgate
Grupo de resgate caminha sobre a lama em busca de vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, emBrumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Antonio Lacerda/EFE
Resgate aéreo
Equipe de resgate usa helicóptero para procurar vítimas do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), de propriedade da Vale Foto: Giazi Cavalcante/Código 19
São poucos os que ainda tentam expressar alguma expectativa de encontrar alguém com vida. Já se passaram mais de quatro dias desde a tragédia. Nos relatos que colhi em diversos pontos da cidade, a angústia trazida pelas famílias, quase sempre, é pelo desfecho da história. Por seu fim.
Manuel Almeida Andrade, pai de Lenilda Cavalcanti Andrade, de 36 anos, desaparecida, só quer ter o direito de enterrar a filha. “Saí de Parauapebas, no Pará, atrás da Lenilda. Eu vim atrás do corpo de minha filha. Não terei sequer esse direito respeitado?”
Os retratos para identificar os parentes não estão mais em fotos de papel. Migraram para as telas do celular, onde as fotografias dos desaparecidos são compartilhadas em redes sociais, com quem for possível. O aposentado José Rodrigues de Amorim lamenta não ter a habilidade de saber usar as tecnologias que poderiam ajudar a encontrar seu filho João Paulo Ferreira de Amorim, de 31 anos, desaparecido. “Não consigo mexer nessas coisas, não sei fazer isso.”
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O pai recorre à carteira de trabalho do filho para mostrar uma foto três por quatro. É um ajudante de serviços gerais da mina. O rapaz é o faxineiro. Limpa as dependências da Vale, seus departamentos e refeitório desde junho de 2018, tudo por um salário de R$ 1.137,93 por mês. João Paulo é casado e tem uma filha de 4 anos que ainda espera por ele em casa. “Já são mais de quatro dias sem dormir, a família nem consegue vir até aqui. Está muito difícil”, diz o pai, que desaba em choro.
Sem dormir, sem comer. Com o passar dos dias, Brumadinho passou a reproduzir uma população em transe. As pessoas praticamente não dormem desde o rompimento da barragem, não se alimentam direito, mal trocam de roupas. Em uma das bases montadas na cidade para prestar informações sobre os desaparecidos, pude ver que voluntários tentam apoiar os familiares que chegam em busca de alguma notícia, prestam os primeiros socorros, oferecem água, bolacha, assistência psicológica. Não há dúvidas. Em todas as ocasiões, os voluntários são bem acolhidos pela população. Mas que não se fale sobre a Vale ao lado das famílias.
“Passamos cinco dias tentando obter alguma informação sobre minha irmã, não tivemos nenhum retorno. Só depois de insistir muito é que alguém telefonou de volta”, afirma Karine Naiara da Silva Andrade, irmã de Natália Fernanda, de 32 anos, desaparecida. A moça trabalha há sete anos na mineradora, como analista administrativa. “Não temos nada a dizer sobre os voluntários, que nos apoiam, mas essa empresa é só descaso, não pode fazer isso com a gente.”
Ao esgotamento emocional e psicológico de cada um, pesa cada vez mais o esgotamento físico. Famílias inteiras dormem sobre cadeiras, bancos, encostam em algum canto, numa espera prazo.
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Há ainda quem acredite que o familiar pode estar vivo. Estaria perdido em algum lugar da floresta, vagando sozinho. Se acidentou, correu para alguma gruta e não conseguiu sair. Está passando fome, sede, frio e precisa de ajuda antes que seja tarde. Foi esse o sentimento que correu no sangue de Paulo Anniceto Gomes, que decidiu não esperar mais pelas respostas burocráticas que chegavam das buscas oficiais. “Ontem (terça-feira) peguei a moto e entrei na mata atrás do meu filho. Corri pela floresta o dia inteiro, gritava o nome dele.”
Paulo não o encontrou. O jovem Everton Guilherme Ferreira Gomes, de 20 anos, é técnico de planejamento e gestão da mina no Córrego do Feijão. Apaixonado por futebol, é goleiro de aluguel do Comercial Esporte Clube, time que se orgulha das décadas de história no coração do Barreiro, nome de um bairro de Belo Horizonte. “Eu ainda acredito. Ele vai aparecer”, afirma o pai. A família Anniceto é uma das que têm esperança de sair da lista dos quase 300 desaparecidos que orbitam a catástrofe de Brumadinho. Encontrei Paulo e seus parentes na beira de uma estrada que ainda está bloqueada pela polícia, por causa do fluxo ininterrupto da lama podre que ainda desce pelo vale e cruza o asfalto. “Estamos rondando a região, olhando tudo, estamos em busca do nosso garoto.”
Paulo espera por respostas urgentes. Espera por seu filho, para que sua família, viva, não se torne mais uma das vítimas fatais da tragédia.