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‘Faz um ano que não trabalho’, afirma pescador do Rio Doce

Reis havia economizado R$ 4,7 mil para comprar barco e redes um mês antes da tragédia; hoje, vive da bolsa da Samarco

Por Bruno Ribeiro e Márcio Fernandes
Atualização:

MARIANA - “Sou o único pescador profissional daqui”, conta, com orgulho, Juliano Conegundes Reis, de 39 anos. Ele mora em um lugar lindo: duas montanhas de grama verde, usadas como pasto, convergem para um chão de pedras que, com a água, brilham. É ali que o Rio Piranga se encontra com o Rio do Carmo, fazendo nascer o Rio Doce. “Mas faz um ano que não pesco”, diz, já com um pouco de raiva na voz. Reis vive em uma pequena vila, com apenas cinco casas, habitada por gente que trabalha nas roças da região, pouco antes da chegada a Rio Doce. 

Reis diz que pescado sumiu depois da ruptura da barragem: 'Era muito peixe' Foto: MARCIO FERNANDES/ESTADAO

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Nascido em Ponte Nova, ele se mudou para Rio Doce em 1996. “Conheci minha mulher e comecei a namorar. Então consegui emprego em uma fazenda aqui perto, para ficar junto dela.” Eles se casaram três anos depois. Têm dois filhos. “Um deles é especial”, conta. “Eu fazia um monte de serviços diferentes, e também pescava. Então, há quatro anos, me tornei pescador profissional. Tirei toda a documentação pelos Correios.” 

Com os documentos na mão, foi viver do rio, despreocupado. “Vendia os peixes em Rio Doce, Ponte Nova, até Mariana”, distante cerca de uma hora e meia dali. O ofício foi próspero o bastante para ele seguir com planos de expansão. “Eu já tinha juntado R$ 4.700. Ia comprar 4 mil metros de rede e um barco a motor. Estava tudo planejado para outubro do ano passado. Ainda bem que esperei um mês”, afirma. Naquele mês, há um ano, sua vida mudou para sempre.

Cenário de destruição. “A gente viu a lama chegando com tudo, fomos para o alto do morro e só olhamos”, conta Reis. As ondas de lama provocaram a maior enchente que ele e os vizinhos já tinham visto. Madeira, entulho, peixes mortos, gente. Tudo foi parar ali. “Foi logo mais para frente que eles acharam corpos”, diz o pescador, já entre lágrimas, contando o impacto do rompimento da barragem da Samarco. “Ficou um cheiro de carniça aqui. Era muito peixe.”

Nos dias seguintes, Reis diz ter notado que até os pássaros sumiram. “Eles comem peixe, né? Ficaram sem alimento.” “A gente nadava aqui, colocava a criançada para nadar. Fazia churrasco na beira do rio, trazia os amigos, a família. Não vai ter mais nada disso.” Agora, sua casa dá fundos para um rio de duas cores: parte escura, com a tal “cor de rio”, e parte com a cor da lama. 

O pescador recebe auxílio da mineradora Samarco. “Vou procurar algum serviço de pedreiro, de ajudante, para fazer”, planeja. “As pessoas até falam em indenização. Acho até que vão pagar. Mas o que você vai fazer? Se você recebe R$ 100 mil, investe em um negócio, compra uma casa em outro lugar, perto de um novo trabalho. Mas isso ajuda em quê? O rio vai voltar a ficar limpo? Os peixes vão voltar? A gente vai poder nadar de novo? Vai fazer churrasco com a família? Não. Então, no fundo, a indenização não adianta quase nada. Ela não vai recuperar o rio”, afirma o pescador. 

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