Festa dos Mártires lembra massacre de católicos no RN

Em 1645, holandeses mataram 150 católicos; 30 deles vão se tornar santos em outubro

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Por José Maria Mayrink
Atualização:

CANGUARETAMA (RN) - Cerca de 8 mil devotos celebraram neste domingo, 16, a festa dos Mártires de Cunhaú, na cidade de Canguaretama, a 70 km de Natal, massacrados por invasores holandeses e índios tapuias em 16 de julho de 1645, por terem se negado a renegar a fé católica. Parte desses mártires será canonizada em outubro, pelo Vaticano.

Monumento em homenagem ao padre André de Soveral (esq), ao leigo Mateus Moreira e ao padre Ambrosio Francisco Ferro Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

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A peregrinação organizada pela Arquidiocese de Natal começou com romaria de ciclistas, incluiu duas missas e encenação teatral no pátio da capela colonial de Nossa Senhora das Candeias, onde o padre André de Soveral e mais de 60 fiéis foram mortos na missa dominical, há 372 anos.

“Os mártires, somados aos assassinados em Uruaçu, município de São Gonçalo do Amarante (RN) em 3 de outubro (também de 1645) somam perto de 150 vítimas, mas só 30 serão canonizados – os que têm a identidade conhecida”, disse padre José Neto, responsável pela capela de Cunhaú. Dois dos beatos do local, na época um engenho de cana, são o padre André e Domingos de Carvalho, um dos administradores da propriedade.

Em Uruaçu, após terem passado um período presos no Forte dos Reis Magos em Natal, morreram trucidados o padre Ambrósio Francisco Ferro, o agente pastoral Mateus Moreira e seus companheiros. Na região, os dois padres e Moreira são os mais lembrados. Esculturas deles estão espalhadas, e suas imagens têm destaque no painel, pintado para a beatificação. “Com a próxima canonização, planejamos ampliar o Monumento aos Mártires”, anunciou o padre Antônio Murilo de Paiva, capelão da obra em Uruaçu.

O arcebispo de Natal, d. Jaime Vieira Rocha, espera que 500 pessoas viajem ao Vaticano para assistir à canonização, marcada para 15 de outubro. Apesar de uma dificuldade inesperada – o fechamento do aeroporto de Natal para operações noturnas, a partir de setembro, levarão ao cancelamento de vôos para a Europa. Os peregrinos terão de embarcar em Recife ou Fortaleza. A passagem aérea e hotel ficam em cerca dd R$ 9 mil.

“A canonização dos mártires é muito importante para o Brasil, porque eles representam o povo simples e valorizam a fé, especialmente o culto da Eucaristia e a frequência à missa dominical”, disse o arcebispo. O Santíssimo Sacramento e o testemunho de cristãos que deram a vida pela fé foram os pontos salientados ontem na missa.

História

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Foram dois massacres, o primeiro em 16 de julho, o segundo em 3 de outubro de 1645, durante a ocupação holandesa no Nordeste do Brasil. Liderados por Jacó Rabbi, um alemão a serviço da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas, soldados e índios tapuias invadiram a capela do Engenho de Cunhaú, durante a missa dominical e assassinaram o padre André de Several e um grupo de fiéis.

Os soldados holandeses eram calvinistas e exigiam que os católicos se convertessem. Como se recusaram, tiveram de pagar com a vida sua fidelidade ao catolicismo. Soldados e indígenas trancaram os católicos nas igrejas e os mataram com atrocidade. Arrancaram línguas, deceparam pernas e braços, degolaram corpos e cortaram crianças ao meio.

Com a notícia do massacre em Cunhaú, o medo se espalhou pela então Capitania do Rio Grande do Norte. No dia 3 de outubro, outro grupo de católicos que morava em Natal foi levado para Uruaçu, às margens do Rio Potengi, e martirizado. Segundo cronistas da época, o leigo Mateus Moreira teve o coração arrancado pelas costas. Em sua agonia, Mateus repetia a frase “louvado seja o Santíssimo Sacramento”.

Beatificados em 2000 por João Paulo II, que os proclamou protomártires do Brasil, os novos santos estão sendo canonizados – declarados santos – por empenho do cardeal d. Cláudio Hummes, que foi arcebispo de Fortaleza, tem muito prestígio em Roma e é amigo pessoal do papa Francisco.

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“O papa se interessou e me mandou procurar o prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, cardeal Ângelo Amato, o arcebispo de Natal, d. Jaime Vieira Rocha, e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), para apressar o processo de canonização”, revelou d. Cláudio. Não se precisou de muito tempo, porque os mártires são muito venerados no Nordeste e se dispensava a aprovação de milagre atribuído à sua intercessão, pelo fato de terem derramado o sangue em defesa da fé católica.

D. Cláudio visitou os santuários dos mártires no Rio Grande do Norte em maio, após o anúncio da canonização. Ele assistirá à cerimônia de 15 de outubro em Roma e no dia 28 celebrará missa em ação de graças, em homenagem aos novos santos, em Uruaçu.

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