Games violentos deixam crianças mais agressivas?

Sucesso de eletrônicos entre os mais novos desafiam pais; especialistas dizem que não há relação direta entre jogos e comportamento agressivo, mas recomendam cuidados

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Por Gonçalo Junior
Atualização:

SÃO PAULO - A TV do quarto de Artur (nome fictício), de 12 anos, está com a tela quebrada desde novembro. Ele ficou irritado com uma derrota no jogo Fortnite e atirou o controle na tela. Os pais definiram que o filho vai ter de comprar outra televisão com a mesada de R$ 100 por mês. Até lá, fica sem videogame

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O Fortnite é o mesmo que foi proibido em colégios do Estado do Kentucky (EUA) na semana passada. O órgão local citou “o teor violento do jogo” para vetar torneios escolares desse game. A proibição reacende o debate sobre a influência dos brinquedos eletrônicos no comportamento de crianças e adolescentes. A mãe de Artur acredita em influência negativa do jogo.

O Fortnite, por exemplo, é um ambiente virtual onde mais de 100 milhões de pessoas se conectam com amigos (da vida offline) para competir, assistir e compartilhar histórias em tempo real. É um game de sobrevivência, no qual os jogadores coletam armas, fabricam ferramentas e tentam permanecer vivos o maior tempo possível. 

Há referências de cultura pop, cronologia não linear e ação suficiente para uma cascata de adrenalina. Estão lá também peças de merchandising, investimentos conjuntos com marcas de brinquedos e produtos virtuais. Esse jogo proibido fechou 2019 com quase US$ 2 bilhões em receita (cerca de R$ 8 bilhões), tornando-se o game gratuito mais lucrativo do ano. 

No game, jogadores têm de eliminar rivais e se manterem vivos até o final Foto: Epic Games

Bruno, de 10 anos, o filho mais novo da advogada Alessandra Parziale, é um deles. A mãe conta que ele joga o dia inteiro – se ela deixar. O mais velho, Cauê, de 18 anos, prefere o game League of Legends (Lol).

“Acredito que esses jogos influenciam no comportamento. Muito nervosismo e até briga com amigos. Tenho medo. Meu filho só fala palavrão quando está jogando. Fico preocupada se pensam que podem fazer fora o que fazem no jogo”, diz ela, de 45 anos, que até leva os aparelhos para o trabalho para impedir que os filhos joguem muito.

E há relação entre jogos violentos e o comportamento de crianças? Aderbal Vieira Junior, do coordenador do Ambulatório de Tratamento de Dependência de Comportamento do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que a resposta é complexa. “Uma criança com boa formação e bem colocada na vida não vai se transformar com um jogo violento”, explica. “Por outro lado, não descarto que um adolescente disfuncional possa ser influenciado negativamente por um videogame violento. Por si só, o videogame não é ingrediente para tirar a criança da trajetória normal. Pode ser um ingrediente a mais em um caldeirão”, diz.

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“Estudos científicos mostram que jogos têm relação com a agressividade, mas isso não é necessariamente violência”, diz Ivelise Fortim, do Laboratório de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A psicóloga Cybele Chiquinati destaca que crianças e adolescentes têm períodos distintos de desenvolvimento físico e cognitivo. “Crianças ainda não têm maturação cerebral para compreender um jogo mais violento. Na fase de 2 a 7 anos, ainda estão na fase do desenvolvimento simbólico, com dificuldades de compreender o outro como sujeito”, explica. “Entre 7 e 11 anos, ainda têm dificuldades com o pensamento abstrato. Por outro lado, adolescentes são capazes de lidar com questões mais lógicas e abstratas e criam situações hipotéticas.”

OMS considera vício em game distúrbio de saúde mental

Além de cuidado com a exposição a conteúdos violentos, especialistas recomendam atenção para que a diversão não se torne vício. A Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu em 2018 a compulsão por games como distúrbio de saúde mental na Classificação Internacional de Doenças. 

A psiquiatra Lívia Beraldo de Lima Basseres, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (IPQ-FMUSP), explica que não há um limite de horas no videogame para definir o carimbo de dependente. “Em termos gerais, são utilizados os critérios de dependência de outras substâncias, como deixar de lado atividades habituais, prejuízos em diversas áreas e problemas de saúde em decorrência do jogo como alteração no peso e no ciclo vigília e sono”, explica.  

Com volta às aulas, famílias decretam 'game over'

Marcelo Albuquerque e os filhos Felipe, de 5 anos, e Bianca, de 10 Foto: Hélvio Romero/Estadão

Nas férias, os videogames estavam praticamente liberados na casa de Marcelo Albuquerque, diretor de área em uma empresa de comunicação. Os filhos Felipe, de 5 anos, e Bianca, de 10, aproveitaram: jogavam cerca de seis horas por dia. A partir de hoje, na volta às aulas, os consoles voltarão às prateleiras. Albuquerque, de 41 anos, diz que o limite diário em frente à tela será de duas horas. Sem choro. E conta que consegue “domar as ferinhas” com diálogo e que nunca teve grandes brigas na hora de tirar o fio da tomada. “Quem não faz a lição não joga videogame."

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Na casa da professora Michele Abbade, a volta às aulas tem sido tranquila. Ela deu espaço para que os dois filhos (João Pedro, de 16 anos, e José Lucas, de 14) participassem da definição das regras, que ficam expostas em uma lista grudada na geladeira.

Só dá para jogar se fizer as tarefas – como cuidar do cachorro e arrumar a cozinha. Durante a semana, três a quatro horas em frente ao videogame. Está dando certo. “Só comecei a me ajustar depois de uma chamada de atenção da pediatra. Ela me perguntou se em casa de ferreiro o espeto era de pau”, diz. 

Dicas

- O limite deve variar com a idade. De 2 a 5 anos, a recomendação de psicólogos é 1 hora por dia de game e, de 6 a 12 anos, 2 horas. Acima dos 13 anos, o número sobe para três horas diárias. 

- Ofereça outros tipos de lazer, como passeios ou esporte

- Não deixe a criança jogando sozinha por horas

- Se perceber que deixa de fazer outras coisas por causa dos games, procure um especialista

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- Fique menos tempo no celular e no computador. Criança aprende pelo exemplo

- Fique atento aos horários de comer e dormir

- Estipule horários para jogar – e desligar – o videogame  

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