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Garimpeiro dado como morto visita a própria cova

Por Agencia Estado
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Nem à meia-noite os coveiros do cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, em Brasília, viram cena parecida. Na manhã de hoje, o garimpeiro José Eudes Monteiro, 39 anos, abraçou a cruz de sua própria cova. A certidão de óbito, registrada no Cartório de 2º Ofício da cidade, não deixa dúvidas: José Eudes Monteiro, paraibano, pardo, morreu em decorrência do vírus da aids, em 25 de novembro de 1998, às 5h30, no Hospital de Base. O "extinto" era eleitor e não deixou bens. Morador de Breu Branco, cidade paraense a cerca de 320 km de Belém, o garimpeiro viajou três dias de ônibus para provar às autoridades policiais da capital que está vivo, e que nunca esteve antes em Brasília. José Eudes diz ter sido assaltado em Belém, há mais de três anos, e ao tentar tirar a segunda via da certidão de nascimento descobriu que, legalmente, havia morrido. "Eu me senti agoniado, desesperado e não conseguia expressar nada", afirma. "Foi horrível saber que era um rapaz morto." Ao ver o homem de Breu Branco conferir o nome na cruz da cova 27, da quadra 502 B, o coveiro Raimundo Santana disse: "É inacreditável". Há um ano no Campo da Esperança, Raimundo não perdeu a oportunidade de conversar com um ?morto?, e perguntou se o "amigo" estava enterrado ali. Com um riso amarelo, José Eudes Monteiro confirmou, meio desconcertado. "É, este que está enterrado aqui sou eu", afirmou. Um outro coveiro matou a charada: "Já sei, você só saiu para dar um passeio, né?" O garimpeiro esteve no Instituto de Identificação da Polícia Civil para fazer exames. Os policiais desconfiam que o homem enterrado no Campo da Esperança portava indevidamente os documentos de José Eudes. Se à época, as digitais da pessoa enterrada não foram coletadas, será necessário uma exumação do corpo. A Polícia Civil ainda tentará localizar Oswaldo Sampaio Reis filho, pessoa que fez o registro de óbito no cartório de Brasília. O drama de José Eudes Monteiro começou no ano passado. Garimpeiro, mecânico, eletricista, encanador e caminhoneiro, o ?morto-vivo? estava desempregado, e resolveu tirar novos documentos para trabalhar em um garimpo da Guiana Francesa. Ao telefonar para o cartório de Cajazeiras, solicitando segunda via da certidão de nascimento, ele teve o pedido recusado. "Não vou mandar nada, pois José Eudes Monteiro não se encontra mais aqui", respondeu o tabelião. "Foi dessa para melhor." Não faltaram amigos para consolá-lo. "Fica triste não, a gente acredita que você está vivinho, vivinho", disse um dos colegas. Com carteira de trabalho e título de eleitor nas mãos, o garimpeiro espera provar, o mais rápido possível, que não é um fantasma. Tanta pressa tem justificativas. Ele está dormindo na delegacia, e não tem dinheiro para almoçar. "Eu quero justificar que eu sou a minha pessoa", afirma.

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