Gudin, o dono da roda de samba paulistana

Proprietário do Bar do Alemão, onde bambas se encontram, ele faz história e música de qualidade com grandes parcerias e uma dose de ousadia

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Por Renato Machado
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O músico Eduardo Gudin, de 58 anos, não segue o hábito de outros paulistanos que ao informarem seu local de origem dizem o adjetivo acompanhado do bairro. Algo como: "sou paulistano da Mooca". "Eu tenho história em todo lugar, em todo canto da cidade", brinca. Gudin também é uma das provas vivas de que o samba é, sim, coisa de São Paulo. Neste ano, ele está lançando o seu 15º álbum de uma carreira marcada por grandes clássicos e parcerias com Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro e Paulo Vanzolini. Além disso, é seu quinto ano à frente do histórico Bar do Alemão, templo paulistano do samba.Foi bem perto da esquina mais famosa da música brasileira - a da Avenida Ipiranga com a São João - que ele deu o primeiro passo para sua carreira. O ano era 1966 e ele tinha 16 anos. Elis Regina já era uma cantora reconhecida e apresentava o programa Fino da Bossa na TV Record. Ela e o marido Ronaldo Bôscoli moravam no então glamouroso hotel Normandie, assim como muitos outros artistas. Gudin sabia disso. Por isso, sentou no sofá do saguão uma certa tarde e esperou pelo casal. "Eu fiquei de butuca e, quando ela saiu do elevador, fui lá e disse que queria tocar uma música. Naquela época as pessoas paravam para ouvir. Lembro de ela dizer ?então tira logo esse violão e toca?", conta Gudin, que apresentou Morena Boca de Ouro, de Ary Barroso, música que depois repetiria como convidado no programa de Elis.A cena se passou só três anos depois de ele iniciar os estudos de violão. Gudin começou a gostar de música ainda pequeno, escutando no rádio programas de música clássica com o pai. Ficou fascinado com o álbum Chega de Saudade, de João Gilberto, que sua irmã mais velha ganhou de presente. "Quase furei de tanto escutar." E ao ver uma apresentação de Paulinho Nogueira na televisão decidiu que aprenderia a tocar violão.Já profissional mas ainda menor de idade, ele dividia o tempo entre as gravações dos programas de televisão e as peladas de rua no Paraíso, onde morava. Gudin chegou a jogar futebol nas categorias amadoras do Nacional da Rua Comendador Souza. "Até acho que teria ido longe, mas era o violão de um lado e a bola do outro. Eu preferi a música e tocava até tarde, então fui perdendo o pique." Nessa época, fim dos anos 1960, ele já vivia no circuito da noite paulistana. Mesmo antes de completar 18 anos, era levado por amigos sambistas mais velhos para os bares e foi conhecendo e convivendo com os músicos. Os programas musicais das TVs Record e Excelsior trouxeram para São Paulo os principais nomes do País. Gudin também já estava compondo nesses anos e suas músicas foram classificadas nos festivais, junto com obras de Chico Buarque, Edu Lobo e Gilberto Gil. O primeiro foi em 1968, com Choro do Amor Vivido.A mesma ousadia apresentada com Elis ele repetiu para conhecer Paulo César Pinheiro. O compositor carioca havia vencido a I Bienal do Samba com o violonista Baden Powell. Os dois e um grupo de amigos foram comemorar no Restaurante Patachou, na Rua Augusta. "Fui até a mesa deles e me apresentei. Nessa época eu já estava compondo. Só que tinha muita gente lá e ele me disse para mandar alguma coisa para ele." Pela cantora Márcia, Gudin enviou uma gravação para o Rio de Janeiro somente com a parte musical. Tempos depois recebeu uma nova fita com os mesmo arranjos criados por ele, mas com uma letra de Paulo César Pinheiro. Era Olha Quem Chega, a primeira parceria entre os dois, que também fizeram e ainda fazem clássicos do samba como Mordaça e E lá Se Vão Meus Anéis."A maior parte da parceria foi a distância mesmo. Teve vezes em que eu escutava pelo telefone o Gudin tocando o que tinha feito e depois ele colocava o aparelhinho no bocal para gravar eu cantando", lembra Paulo César Pinheiro. Gudin também fez parcerias com Paulinho da Viola, Paulo Vanzolini, Elton Medeiros, Guinga e Caetano Veloso, entre outros. Os principais intérpretes da música brasileira também gravaram suas músicas, como Clara Nunes, Beth Carvalho, Jair Rodrigues, Vânia Bastos (sua ex-mulher) e Leila Pinheiro, que apareceu em um festival da TV Globo em 1985 com uma música de Gudin: Verde. Se no Rio o ponto de encontro do samba era o bairro de São Cristóvão, em São Paulo todos se encontravam invariavelmente no Bar do Alemão. "Era engraçado que a gente rodava todos os bares do centro, mas sempre terminava no Bar do Alemão", diz Paulo César Pinheiro. Fundado em 1968, o bar recebeu ao longo da história os principais sambistas do País, como Cartola e Nelson Cavaquinho. Como costumam dizer os músicos, muita música nasceu ali diante de um chope."Teve uma época em que o bar fechava depois de certo horário e só ficavam os conhecidos. Mas a fama do bar cresceu quando o dono era o Dagô, de quem todo mundo gostava e que era apaixonado por música, por isso todo mundo ia pra lá", conta Gudin. Ele foi pela primeira vez acompanhando o amigo Heraldo, um corretor de imóveis que dedicava as horas de folga ao samba. Depois foi o próprio Gudin que levou para o bar a sua turma, tanto de paulistas como os cariocas.Há cinco anos, ele e o amigo Flávio Chaves compraram o lugar. Gudin fica lá todas as noites de quinta, sexta e sábado. Às quintas, é o responsável pela roda. "Não sei dizer o que é ser responsável pela roda. Acho que sou uma espécie de regente psicológico." Além disso, seus amigos continuam frequentando o lugar. "E se quisermos tocar, vamos lá e tocamos."

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