Histórias de um chaveiro do centro vão virar livro

Há 13 anos na região, Juracy fez coleção de casos bem-humorados

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Por Lucas Frasão
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Ele começou a trabalhar como chaveiro em 1979. Visitou milhares de portas nos bairros da Liberdade e da Bela Vista e abriu, há 13 anos, uma banquinha no número 202-A do Largo de Santa Cecília, na região central de São Paulo. Mora na Rua Jesuíno Pascoal, a cinco minutos de caminhada da banca. E tem passado as horas livres no sobrado para investir na última empreitada: contar, em livro, as histórias curiosas que vivenciou até agora na profissão. Juracy Santos Novaes tem até título provisório para a obra - Histórias Inusitadas de um Chaveiro -, que pretende finalizar este ano. Ele escreve o livro há cerca de quatro anos com a ajuda da filha, que trabalha criando camisetas. "Percebi que as histórias que conhecia todos os dias eram interessantes. Quando acontece alguma coisa legal, conto para a minha filha digitar no computador", diz Juracy. "Nunca escrevi, mas agora é tanta história que não vai caber em um livro só. Vou ter de fazer o volume 1 e o 2." Nascido em Guararema, na Bahia, ele veio para São Paulo no fim dos anos 1970. Hoje está com 51 anos, nem se lembra do primeiro serviço que prestou como chaveiro, ainda na adolescência. Mas não esquece das vezes em que precisou resgatar crianças trancadas dentro de carros - ou dos casos em que teve de saltar da cama durante a madrugada para abrir a porta de alguém que viajou e esqueceu a chave de casa bem longe de São Paulo. "Mas isso é normal. Faço uma média de dez serviços por dia e sempre acontece algo assim", conta Juracy. "O que as pessoas não sabem é que vida de chaveiro não é fácil. Passamos por cada história que você não pode imaginar." Que histórias? "O cachorro trancar o dono para fora de casa. Não é normal, mas acontece", explica Juracy. "Eles pulam na porta de alegria quando percebem que o dono está chegando. E aí batem a pata naquela tranca redondinha." Certa vez, uma moça esperava aflita por Juracy na portaria do prédio, na Rua Dona Veridiana. "Senhor, minha mãe não atende a porta, me ajuda", anotou o chaveiro-escritor nas páginas de um capítulo emprestado para a reportagem do Estado. "As pessoas ficaram olhando, ansiosas, eu executar meu trabalho. Foi aí que a mãe abriu a porta assustada, com as mãos para cima, gritando: ?ladrão! ladrão!? Depois de um tempo, a senhora se acalmou. Pagaram meu serviço e acabou tudo bem." Juracy também já teve de lidar com as agruras de um casal em separação. A cliente pediu para trocar o segredo da fechadura, para manter o ex-marido fora de casa. "Não passou um mês e lá estavam eles de mãos dadas, andando pela rua. Fiquei quieto, mas pensei: ?esses dois não têm jeito?." No entanto, as histórias nem sempre são leves assim. Juracy lembra-se, por exemplo, de um cliente com mais de 70 anos que morava na Rua Jaceguai. "Ele estava doente, tinha dificuldade de andar e todos os dias passava na frente do meu chaveiro", diz. Certo dia, o zelador do prédio o chamou para abrir a porta, pois o senhor não aparecia há alguns dias na recepção. "Chamei a polícia para acompanhar a abertura da porta, pois já tive experiências assim. Ele estava morto." PLANTÃO A banquinha de Juracy tem pouco mais de 1 metro de largura e cerca de 5 metros de profundidade. Mas o chaveiro fica aberto de domingo a domingo e ainda tem uma placa do lado de fora - SOS Chaveiro, 24 horas - com o celular de Juracy, preparado para qualquer emergência. Quem ligar para o número de plantão com uma história boa poderá acabar, quem sabe, nas páginas do livro.

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