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Identificado grupo que fez disparos antes de corrida no Alemão

Bandidos seriam do Comando Vermelho e chegaram de Kombi; Secretaria de Segurança do Rio prepara mudanças no policiamento no complexo

Por Clarissa Thomé
Atualização:

RIO - O setor de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública identificou os criminosos que fizeram disparos a esmo no Complexo do Alemão, na largada da corrida Desafio da Paz, competição que reuniu 2 mil pessoas no domingo, 26. De acordo com as primeiras informações, o grupo, ligado à facção Comando Vermelho, não é do complexo - os criminosos chegaram à Vila Cruzeiro em uma Kombi.

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Os disparos não deixaram feridos e atingiram a sede da Unidade de Polícia Pacificadora da favela. Os nomes dos suspeitos não foram divulgados.

Por causa das recentes demonstrações de força pelo tráfico – na quinta-feira, 23, comércio e escolas foram obrigadas a fechar as portas, em sinal de luto pela morte de um criminoso –, a Secretaria de Segurança prepara mudanças no policiamento no complexo. O secretário José Mariano Beltrame – que estava entre os corredores – passou a tarde reunido com auxiliares.

Segundo a assessoria de Imprensa da Secretaria de Segurança, eles trataram do "redimensionamento" do policiamento no Complexo do Alemão.

Em nota, a secretaria informou que "os detalhes não serão divulgados, mas, (...) serão medidas perceptíveis à toda a população".

A secretaria não confirma a instalação de uma base avançada da UPP na Pedra do Sapo, localidade em que tem ocorrido confrontos entre criminosos e policiais. Na segunda-feira, 27, o policiamento no Complexo do Alemão foi reforçado – o aumento do efetivo foi de 30% (por motivos de segurança, o Coordenadoria de Polícia Pacificadora não informa o número de homens que atuam no conjunto de favelas). Esses policiais foram deslocados de outras UPPs. Escolas, creches, postos de saúde e o comércio funcionaram normalmente.

Para o sociólogo José Cláudio de Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, os episódios recentes no Alemão demonstram a fragilidade do programa de pacificação de favelas. "Mais do que um baque, (a demonstração de força dos traficantes) desmistifica esse programa de segurança, mostra a fragilidade, sua utilização política. É um programa focado, sim, em megaeventos que estão ocorrendo, como Copa, Jornada e Olimpíada. É preciso mostrar cenário para o mundo que há controle de áreas perigosas, mas isso não existe no Rio de Janeiro", afirmou.

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Para Alves, as UPPs se mostram fortes em "comunidades menores, mais facilmente controladas". "Mas não se mostra eficaz com a extensão, sua dimensão geográfica, a forma como tráfico se estabeleceu e a incapacidade de se manter força de controle como inicialmente se teve, com Exército e conjunto de policiais muito maior", afirmou.

O governador Sérgio Cabral disse que o Alemão abriga o "centro nervoso" do Comando Vermelho e, por isso, o trabalho é mais difícil. "Depois de tanto anos de abandono, uma comunidade tão grande, onde ali é o centro nervoso do comando de uma facção criminosa, nós não vamos nos iludir que em dois anos e meio nós vamos resolver o problema. Esse é um trabalho permanente", afirmou, após encontro com prefeitos do Rio.

Incidente. O tiroteio foi promovido pelos traficantes às 7h30 de domingo nos vizinhos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio. A troca de tiros assustou moradores e atrasou o início do Desafio da Paz, uma corrida anual promovida desde 2011 pela ONG AfroReggae. Não houve feridos, mas dezenas de pessoas que se preparavam para a corrida se esconderam, com medo, e algumas desistiram de correr. Marcada para as 8h, a disputa só começou às 9h.

Ocupado por forças de segurança desde novembro de 2010, o Complexo do Alemão era o principal reduto da facção criminosa Comando Vermelho. Embora hoje disponha de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a região ainda abriga traficantes ligados à facção. O secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, participou da corrida, que teve2.000 inscritos. O percurso, de 5 km, é semelhante àquele percorrido por criminosos filmados em fuga durante uma operação policial promovida em 2010.

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Segundo o coordenador das UPPs, coronel Paulo Henrique de Moraes, houve tiros no Alto da Pedreira, no Complexo do Alemão, e na Vila Cruzeiro, na Penha, em um trecho conhecido como Treze, onde um conteiner da UPP foi metralhado. Segundo o coronel, os disparos partiram de traficantes e não houve confronto. Logo após o tiroteio, PMs vasculharam a área, mas ninguém foi preso. O início da corrida foi autorizado após essa vistoria da polícia.

“O que aconteceu foi uma ação que infelizmente é irresponsável e criminosa, resquício de admiradores de uma facção que se pautou pela banalização da violência. É óbvio que foi uma facção, que, mesmo enfraquecida, acha que com atos assim pode afastar a polícia e o Estado, mas nós não sairemos”, declarou Beltrame. “Eu já estava inscrito na prova e, se fosse corredor, gostaria de ver o secretário de Segurança aqui”, disse Beltrame.

Aos 56 anos, ele completou a prova em 35m36s. O vencedor, Gilberto Lopes, fez o percurso em 17m12s. “Existe toda uma questão simbólica por trás dessa corrida. Mesmo com a tensão inesperada, o que importa é que a prova foi disputada. Seria triste cancelar”, afirmou o coordenador do AfroReggae, José Junior.

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Tensão. A última semana foi tensa no Complexo do Alemão. Na quinta-feira, o comércio, 14 escolas e 7 creches não funcionaram por ordem de traficantes. Mais de 11 mil alunos ficaram sem aulas. A ordem dos traficantes foi inicialmente interpretada como um protesto pela morte do suposto traficante Anderson Mendonça, de 29 anos, ocorrida na noite de terça-feira, 21, durante troca de tiros com PMs.

Depois surgiu o boato de que o protesto foi pelo traficante Luciano Martiniano da Silva, o Pezão, que era chefe do tráfico quando a polícia ocupou o Alemão e teria sido morto no Paraguai durante operação policial. A polícia negou ter conhecimento de sua morte ou prisão.

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