Intenção e gesto

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Por DORA KRAMER
Atualização:

Quando governos falam em "novas fontes de recursos" referem-se ao bolso do contribuinte. Quanto a isso, a ministra das Relações Institucionais não fez restar dúvida na entrevista publicada ontem no Estado. "É um novo imposto", disse Ideli Salvatti, deixando patente a ideia do Planalto de ressuscitar a CPMF com nova roupagem para, em tese, financiar o sistema público de saúde."Em tese" porque por nove anos vigorou o imposto do cheque criado com o mesmo objetivo no governo Fernando Henrique Cardoso sem que houvesse o cumprimento do compromisso original.Do destino dos recursos da CPMF ninguém sabe ao certo, embora se saiba que certamente não serviram para fazer alguma diferença entre o atendimento oferecido antes e depois da criação do imposto teoricamente específico.A assertividade da ministra Salvatti hoje contrasta com a afirmativa do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em fevereiro último, sobre o mesmo assunto."Todo mundo sabe e concorda que a saúde precisa de mais dinheiro, mas se o governo não fizer a sua parte, se não fizermos o máximo com o que temos, é absolutamente impossível pensar em exigir o que quer que seja a mais da população", dizia ele, defendendo que o governo primeiro mostrasse serviço e depois pensasse em falar na cobrança de um novo imposto.Padilha foi claríssimo: "Não vamos conseguir mais recursos para a saúde se não mostrarmos antes para a sociedade para onde vai o dinheiro e se está sendo bem empregado".Tinha até um plano: que o governo federal passasse a exigir dos Estados e municípios, para onde vão 90% dos recursos do orçamento do Ministério da Saúde, o cumprimento de metas de desempenho, com cobrança de resultados e avaliação do grau de satisfação do usuário.Numa primeira etapa, com duração de um ano a partir de abril último, seriam firmados "contratos de ação pública" com cada uma das 500 "regionais sanitárias" em que seria dividido o País e aquelas que se saíssem melhor teriam prioridade para receber verbas e equipamentos.Segundo o ministro, a execução dessa fase só dependeria da capacidade de organização e fiscalização do Poder Executivo. Depois disso, aí sim o governo precisaria trabalhar pela aprovação no Congresso de uma lei de responsabilidade sanitária, nos moldes da Lei de Responsabilidade Fiscal, a fim de estabelecer punições para as regionais que não atendessem às exigências de desempenho.A proposta, de acordo com Alexandre Padilha, já estava desde então (em fevereiro) tramitando no Congresso.Pois bem. Tomando por base o mês de abril, daquele ano pretendido pelo ministro da Saúde em que o governo se poria a teste mostrando à população capacidade de "fazer o máximo com o que temos", transcorreram cinco meses.E o que se ouve sobre o assunto são as palavras da ministra Salvatti preconizando justamente o contrário do que ele havia dito.Nada foi dito sobre resultados a serem apresentados como preliminar à cobrança de novo imposto. Nunca mais se ouviu falar sobre o andamento daquele plano de gestão empresarial do sistema, que pode até estar em execução, mas não faz parte da argumentação apresentada pela ministra das Relações Institucionais para justificar a criação de um novo imposto.A respeito disso, ela só discorre sobre o "venha a nós". Ao reino de quem depende do sistema público de saúde, nada.Só o que a ministra sabe é que será mesmo inevitável criar um novo imposto, coisa que com o apoio dos governadores ela não acredita que será difícil. Mesmo no ano eleitoral de 2012, que é quando ela acredita que a discussão será posta no Congresso.E por que, segundo ela, não haverá maiores dificuldades? "Porque os governadores acham e nós concordamos, que o principal tema da eleição de 2012 será a saúde." Pode até ser. Principalmente se o governo estiver apostando na eficácia do discurso de o Congresso não poder se recusar a aprovar a criação de "novas fontes" de recursos para financiar o bem-estar comum para não parecer irresponsável diante da população.Nesse caso, precisará apostar também num surto de amnésia geral.

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