Jovem autor de massacre em creche de Saudades é denunciado à Justiça por cinco homicídios

Fabiano Kipper Mai, de 18 anos, deverá responder ainda por 14 tentativas de homicídio. Promotoria diz que crime em Santa Catarina foi planejado por cerca de dez meses

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Por Felipe Resk
Atualização:

SÃO PAULO - Fabiano Kipper Mai, de 18 anos, queria fama. Por isso, planejou o massacre por cerca de dez meses e mirou em vítimas que não ofereciam risco de se defender. Essa é a versão apresentada pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPE-SC) ao denunciá-lo nesta sexta-feira, 21, por cinco homicídios qualificados e outras 14 tentativas de assassinato pelo ataque na creche Aquarela, em Saudades, no início do mês. Entre os mortos, estão duas funcionárias da unidade e três bebês menores de 2 anos.

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O massacre, executado com um facão de 68 centímetros, ocorreu no dia 4. O acusado acabou preso em flagrante já naquela manhã. Como a autoria era conhecida, o principal desafio da investigação policial passou a ser relatar o passo a passo do crime e traçar um perfil de Mai, para descobrir a sua motivação. Além de mais de 20 depoimentos, o inquérito contou com quebra de dados do notebook e de outros aparelhos eletrônicos, autorizada pela Justiça, e ao menos 15 relatórios de análise. 

Segundo o promotor Douglas Dellazari, responsável pela denúncia, as informações levantadas confirmariam que Mai participava de fóruns digitais sobre violência, estudou outros massacres em escolas e teria "idolatria por assassinos em série". "Ele buscava reconhecimento e fama dentro do meio inserido", afirma. "A idealização que ele tinha era de um massacre com o maior número de mortos possível."

Fabiano Kipper Mai matou uma professora, uma educadora e três crianças na creche Pró-Infância Aquarela Foto: Prefeitura de Saudades

O planejamento começou ainda no ano passado, de acordo com a investigação. Nesse período, Mai teria entrado em contato com "vários fornecedores" para comprar armas de fogo, mas não conseguiu finalizar o acerto. Também pesquisou sobre balestras e outros tipos de arco e flecha. Por fim, encomendou duas armas brancas pela internet: uma faca militar e outra utilizada para cortes em vegetações densas. Elas chegaram pelo correio, cinco dias antes do ataque.

Ainda de acordo com a acusação, Mai buscou informações sobre o retorno às aulas presenciais em Santa Catarina. Na véspera do ataque, ele direcionou a pesquisa para a Aquarela, uma creche perto da indústria têxtil onde ele trabalhava de menor aprendiz. No dia do crime, 40 pessoas estavam no local. Delas, 21 eram funcionários da unidade. As outras 19, bebês.

Dinâmica

Mai foi normalmente para o trabalho naquela manhã. Antes, no entanto, havia preparado uma mochila com as duas facas dentro. Ele chegou a tomar café na fábrica e depois pegou a bicicleta para se deslocar até a creche, segundo a investigação. Estacionou por volta das 10 horas.

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À polícia, funcionários da unidade relataram que, através da vidraça, até viram o jovem se aproximar, mas imaginaram se tratar do pai de alguma criança ou de alguém procurando informação. Localizada na zona oeste do Estado, Saudades é descrita como uma cidade pacata e de poucos crimes.

No saguão de entrada, ele foi atendido pela professora Keli Adriane Aniecevski, de 30 anos, a primeira a ser golpeada, que morreu ainda no local. De acordo com a promotoria, Mai também atacou a agente educacional Mirla Renner, de 20, neste momento. Gravemente ferida, ela conseguiu se deslocar para o solário, onde agonizou, segundo a acusação. Apesar de ter sido socorrida depois, ela morreu no hospital.

Na sequência, o acusado tentou entrar em uma das salas, mas as professoras, avisadas pelos gritos das colegas, conseguiram segurar a maçaneta e impedi-lo. Depois, forçou invasão em outro aposento, que também havia sido trancado por profissionais da unidade, sem sucesso. Nesse lugar, ainda entortou a porta a pontapés e quebrou uma vidraça.

Segundo o Ministério Público, Mai correu em seguida para um anexo da creche, onde os adultos ainda não tinham sido alertados. Uma professora chegou a abrir a janela e teve a máscara, usada para proteção contra a covid-19, cortada por um golpe de facão. Em uma sala contígua, ele começou a bater nos vidros.

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Nessa hora, uma funcionária saiu de uma sala no prédio principal para gritar por socorro. De acordo com a acusação, Mai aproveita o momento para correr e invadir o espaço do Maternal 3, onde atacou quatro crianças. Três morreram. 

Mai ainda distribuiu bombas caseiras por um banheiro, antes de ser rendido por moradores e trabalhadores da área vizinha que, armados com barras de ferro, foram socorrer a creche. Ao notar a chegada da ajuda, ele teria usado o facão para provocar ferimentos contra si mesmo, segundo a investigação, e ficou internado. Recebeu alta no dia 12 e, desde então, está preso preventivamente.

Na visão da promotoria, essa dinâmica relatada indica que, além dos cinco homicídios consumados, Mai tentou assassinar mais quatro adultos e oito crianças. Para a acusação, também ficou caracterizado que o meio foi cruel e ele se valeu de recurso que impossibilitou defesa das vítimas. 

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"O meio cruel é porque houve intenso sofrimento físico e moral, um terror generalizado, e também por causa da multiplicidade dos golpes", diz Dellazari. "E não houve chance de defesa porque, além de crianças menores de 2 anos serem naturalmente vulneráveis, elas estavam em horário de repouso, no soninho delas. Foram golpeadas, inclusive pelas costas. Já em relação às educadoras, é óbvio que foram surpreendidas no local de trabalho, onde depositavam segurança."

O promotor afirma, ainda, que não haveria indicativo de insanidade mental do autor - tese sustentada pela defesa. O advogado do acusado chegou a solicitar o exame, mas teve o pedido negado pela Justiça. "Os indícios são de uma pessoa perfeitamente sã. Infelizmente, pessoas sãs também cometem atrocidades", diz Dellazari.

O Estadão procurou o advogado de Mai, mas até o momento não obteve resposta.

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