Juiz concede pensões, mas Exército não paga

Poderosos, réus ainda não foram julgados por explosão

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Por Fabiane Leite , Patrícia Santos , SANTO ANTÔNIO DE JESUS e MUNIZ FERREIRA (BA)
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Os nomes de Ericles, Deivesson e Leandro estão em uma longa lista de órfãos que repousa nas mãos do Exército brasileiro há cinco anos. Segundo decisão do juiz federal Pompeu de Souza Brasil, do dia 5 de março de 2002, como outras 30 crianças eles deveriam receber uma pensão dos militares por terem perdido os pais há dez anos na explosão de uma fábrica de fogos do município, mas até hoje nenhum tostão beneficiou as crianças. O juiz entendeu que, em razão da legislação determinar que os militares fiscalizem o uso de materiais explosivos, o Exército teria responsabilidade pela tragédia e deveria garantir amparo às crianças, pelo menos. Até agora, a ordem é apenas mais um pedaço de papel que consta do enorme processo criminal sobre a tragédia. Um relatório do Centro de Direitos Humanos de Santo Antônio de Jesus aponta que, a partir de julho de 2006, o Exército começou a depositar o valor de R$ 350 mensais para sete meninos e meninas apenas, mas nem nesses casos os valores puderam ser retirados, por problemas burocráticos. Questionado pelo Estado, o tenente José Laércio Poli afirmou não saber quando a Força foi informada da decisão judicial. "Tão logo recebemos, cadastramos as crianças", disse. Segundo ele, todos receberão também os valores atrasados. Deivesson, que completará 14 anos no dia 12, vive com o pai, Roberto Carlos Azevedo Santos, de 35 anos, e teve de abandonar a escola por um ano para ajudá-lo na roça. Santos vive de bicos, o que lhe rende R$ 100 mensais - R$ 40 para o aluguel, diz. "Às vezes, pego ele para ajudar. Mas comida não falta", diz o pai. A mãe de Davisson morreu grávida, lembra Roberto. Na frente da casa de Deivesson, vivem Ericles e outras nove crianças, todas cuidadas pela avó Iraci. O pai de vez em quando aparece para ver o menino, jogador de futebol, torcedor do Bahia. Leandro Rocha dos Santos, que também perdeu a mãe, nada recebeu. Morreu assassinado aos 17 anos, dois anos depois de o juiz Brasil determinar o pagamento da pensão. JULGAMENTO Quase dez anos depois, familiares ainda aguardam o julgamento dos oito réus no processo criminal sobre as 64 mortes na explosão da fábrica de fogos . Em novembro de 2004, a Justiça encaminhou os acusados ao júri popular. A indicação de testemunhas de outras cidades ajudou a protelar o julgamento, assim como uma remoção do processo do fórum da cidade. A ONG Justiça Global, que acompanha o caso, diz que em 2005 o defensor da família Prazeres Bastos ficou seis meses com o processo. Marcado para 27 de junho deste ano, o julgamento não ocorreu porque o defensor tinha outra audiência na cidade, no mesmo horário, em que atuaria como assistente da acusação. A ação cível está parada, aguardando o desfecho do processo criminal. Uma busca determinada pela Justiça na cidade, no entanto, aponta dificuldades para as indenizações, pois constatou que nenhum dos réus possui imóveis no município. Na cidade, trabalhadores do mercado informal ainda defendem a família Prazeres Bastos e têm dificuldades para aceitar a denúncia feita pelo Ministério Público de homicídio doloso (com intenção), por entender que a família agiu com dolo por não garantir condições mínimas de segurança na fábrica. O defensor nega qualquer intenção de matar. Recentemente, após reportagem do Jornal da Record que mostrava a impunidade e o poder da família na região, o Ministério Público entrou com pedido no Tribunal de Justiça para que transfira o júri para Salvador - extra-oficialmente há informação de que foi aceito, mas nenhuma ordem havia chegado ao fórum de Santo Antônio de Jesus. Até pouco antes do Natal, o processo permanecia na cidade.

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