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Justiça soube que irmãos eram torturados 1 ano antes das mortes

Madrasta já havia tentado estrangulá-los e pai os abandonou sozinhos em casa antiga

Por Luisa Alcalde
Atualização:

A Justiça de Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, sabia um ano antes dos crimes brutais que tiraram a vida dos irmãos João Vitor, de 13 anos, e Igor Giovanni, de 12 - asfixiados, queimados e esquartejados pelo próprio pai e pela madrasta -, que eles eram freqüentemente torturados dentro de casa e sofriam toda espécie de maus-tratos e abusos psicológicos. A madrasta até já havia tentado estrangulá-los. Os dois respondem a processo criminal na 1ª Vara da cidade. Mesmo assim, em janeiro deste ano e sem ouvir a opinião do Ministério Público, a juíza da Infância do município decidiu que os dois teriam de voltar a viver com a família, após terem passado um ano e um mês abrigados. Os garotos não queriam voltar a morar com o pai e a madrasta. Numa carta escrita durante uma avaliação no abrigo, João Vitor chegou a escrever que só queria "uma vida tranqüila". Quatro meses depois, eles foram barbaramente assassinados. "Com esse histórico, esses meninos jamais deveriam ter sido deixados morando com o pai e a madrasta", avalia o juiz aposentado e professor de Direito Penal Luiz Flávio Gomes. "Trata-se de um erro crasso", afirma. Outro jurista ouvido pela reportagem, mas que pediu para não ser identificado, concorda. "Se havia uma denúncia de crime de tortura, isso é muito grave. Eles não poderiam ter sido desabrigados." Em julho do ano passado, a promotora criminal Mylene Comploier denunciou o vigia noturno João Alexandre Rodrigues e a mulher dele, a dona de casa Eliane Aparecida Antunes, por tortura. Com base nos relatórios do Conselho Tutelar que acompanhava o caso dos meninos desde 2005, ela pedia à Justiça a condenação dos dois. Nas alegações finais do processo, este ano, mudou a denúncia para maus-tratos. Na denúncia, a promotora escreveu que, de maio de 2005 a março de 2007, João Alexandre e Eliane submeteram os garotos , "com emprego de violência e grave ameaça, a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo pessoal". Segundo apurações da promotora, Eliane demonstrou "extrema crueldade no trato e na educação dos menores". A reportagem teve acesso ao processo criminal - com mais de 200 páginas - e aos relatórios do Conselho Tutelar e do Abrigo Novo Rumo, para onde foram mandadas as crianças em 2007. O pai já havia sido investigado pela polícia por abandono dos filhos, quando os deixou vivendo sozinhos na antiga casa em que morava com a mãe dos meninos. Em julho daquele ano, os maus-tratos e violência contra os meninos se repetiram. Os dois relataram que apanhavam com vara de bambu e ficavam de castigo por qualquer motivo. Certa vez, contaram, a madrasta os obrigou a comer papel e chocolate com sal até que vomitassem, obrigando-os, novamente, a comer. O motivo do castigo foi por eles teriam comido "cinco pãezinhos" escondidos. Por ter urinado na cama, João Vitor foi mantido de pé, olhando para a parede, a noite inteira. João Vitor e Igor Giovanni também foram avaliados psicologicamente por várias instituições ligadas à área da Infância, como a Assessoria de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde. Essas avaliações têm um ponto em comum: todas descrevem o pavor que eles tinham da madrasta e relatam as sucessivas sessões de maus-tratos enfrentadas pelos garotos dentro de casa. O mais novo, Igor, apresentava dificuldades adiantadas de fala, por causa dos maus-tratos.

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