Kabelo, o roadie que conquistou os palcos

Após 10 anos atuando nos bastidores de shows de Toquinho, ele agora tem a própria carreira musical

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Por Renato Machado
Atualização:

Aquela noite de setembro de 2007 não foi a primeira que Kabelo e Toquinho chegaram juntos para um show. O Sesc Santana lotado também não era novidade para os dois, que já excursionaram pelo Brasil inteiro e por alguns países da Europa e da América Latina. Mas Kabelo estava nervoso e as fortes dores por causa de uma hérnia de disco só pioraram seu estado. Isso porque seu papel ali havia mudado. Em vez de carregar, montar e afinar os instrumentos, ele pela primeira vez assumiu o comando do microfone ao lado de Toquinho, na apresentação que lançou de vez a sua carreira. O cantor e baixista paulistano Alexandre Fonseca (nem seus pais o chamam mais pelo nome), de 36 anos, atuou por mais de uma década como "roadie" de Toquinho. Seu trabalho era chegar em todos os lugares antes dos músicos e deixar tudo pronto para as apresentações. Quando o músico subia ao palco, seu violão estava afinado e logo ao lado do microfone, e as partituras ficavam no local exato para serem acompanhadas pelos olhos dele. O mesmo era feito com os instrumentos dos outros músicos: a bateria era ele que montava, o baixo estava com a afinação certa e o microfone estava no ponto, pois ele testava várias vezes - falando os tradicionais "som, som" que se ouvem antes dos shows. Em 2007, Kabelo deixou o emprego de roadie para gravar o primeiro álbum - que leva o seu nome. Mesmo trabalhando tanto tempo com Toquinho, seu som se descola bastante do dele. O baixista faz uma mistura de vários estilos, como funk, rap, soul, rock, e ritmos brasileiros, como maracatu. De uma forma irreverente e dura, algumas de suas músicas citam o personagem Uga Bunga, que é um homem primata, com o qual diz se identificar. Tanto que um amigo fez para ele um baixo com madeira já petrificada, que lembra a idade das cavernas. "Ele tem uma musicalidade muito forte e intuição para fazer o som certo no momento certo. É uma mistura de ritmo que, a princípio, soa diferente para as pessoas, mas depois conquista", diz Toquinho. A diferença de estilos não impediu que os dois fizessem parcerias em shows e na composição de uma música que está no álbum Linguicity, que será lançado no próximo mês. Em Cosmonauta Musical, os dois músicos mostram a percepção um do outro. Toquinho diz de Kabelo: "Primata do non sense, rap das quebradas, funkeiro das esquinas e rock and roll e berimbau." No sentido inverso, Kabelo canta: "Teu som tem Tom Jobim, Pixinguinha, tem Ary, Luiz Gonzaga, Noel Rosa e o baiano Dorival." Kabelo começou na música tocando piano, aos 12 anos. Nessa época, ele já tinha esse apelido, que veio nos primeiros anos de escola. Como o cabelo encaracolado estava sempre comprido, não demorou para que os amigos pegassem no pé. "Desde pequeno que minha mãe deixava meu cabelo grande. Até me tiravam (brincavam) falando que parecia menina." O lado artístico apareceu por influência dos pais. Genildo Fonseca é produtor musical e sempre encheu a casa de discos, que o garoto desde pequeno se acostumou a ouvir. As primeiras obras que ele lembra são de artistas de música popular brasileira (MPB). A mãe, Marilu Alvarez, era atriz de teatro e, como não tinha com quem deixar os filhos, levava Kabelo e o irmão para os ensaios. "Era uma diversão só, a gente brincando com os figurinos, com o cenário e tentando tocar os instrumentos que tinha no palco." Aos 12 anos, ele começou a estudar piano, mas na adolescência desistiu e vendeu o órgão em que ensaiava para comprar um baixo. Era o início da era skate e rock n? roll. Kabelo montou com amigos a banda Alma Pelada, que tocava músicas de Red Hot Chili Peppers, entre outros. Quando não ensaiavam em garagens, eles saíam para andar de skate, atividade que ele mantém até hoje. Sua principal diversão é ir nas madrugadas para locais altos da cidade, como o Pico do Jaraguá, para descer de skate. AFINADOS Foi por volta dos 16 anos que seu pai arrumou para ele o primeiro emprego como roadie, em eventos como o Vivendo Vinícius, que contava com a participação de músicos como Baden Powell e Carlos Lyra. Nos intervalos ou mesmo quando preparava o palco, ele parava em alguns momentos e pegava o baixo para "tirar um som". Essas sessões ficaram mais frequentes quando foi trabalhar com Toquinho, que sempre lhe passava dicas. E entre os dois nasceu uma cumplicidade. "O Toquinho sempre exigiu a afinação mais perfeita e muitos músicos faziam a própria. Então ele me pedia para afinar os instrumentos de todo mundo do jeito dele, o violão do Baden Powell, do Paulinho da Viola", lembra. Após deixar de ser roadie, Kabelo precisou vender seu Ford Ka para gravar o primeiro álbum, alugando o estúdio e contratando os músicos. Se o skate já era peça fundamental na vida do músico, a partir de então virou seu principal meio de transporte. Ele o utiliza tanto para ir de sua casa, no Planalto Paulista, na zona sul de São Paulo, para a gravadora, como para sair à noite. "Foi a cena mais engraçada quando eu fui a um show no Credicard Hall e me pediram para deixar o skate na chapelaria", diz. A rotina só foi mudada nos últimos dias, porque quebraram as rodinhas do skate. Então, ele provisoriamente usa uma bicicleta. Embora diga não tentar influenciar o filho Ariel, de 10 anos, para ser músico, Kabelo já deu para o garoto uma pequena bateria e fala com orgulho sobre o desempenho dele no jogo de videogame Guitar Heroes, que simula o toque de uma guitarra. Ele também tentou empurrar para ele o gosto pelo skate. "Mas o garoto gosta mais da bola", diz ele, resignado.

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