PUBLICIDADE

Kenjutsu e iaijutsu: as artes milenares dos samurais

As artes com espadas atraem muitos adolescentes que curtem desenhos, quadrinhos e filmes que exaltam a prática entre os guerreiros japoneses

Por Agencia Estado
Atualização:

"Ohaiyo gozaimassu yoroshiku onegaishimassu". É com esta expressão japonesa que os alunos, entre eles muitas crianças e adolescentes, iniciam mais uma aula de kenjutsu e iaijutsu. Em português quer dizer algo como "Bom dia! Muito, muito prazer. Por favor, me deixe treinar". A expressão de respeito é usada pelos alunos logo ao entrarem no dojo, espaço de treinamento. Mas não se tratam de artes marciais tradicionais, como caratê ou judô. Um rápido olhar nos trajes dos alunos e nas espadas que carregam, logo denuncia que esta é uma aula fora do convencional. Isso fica ainda mais evidente quando, no kenjutsu, depois de uma hora de aula, os alunos colocam armaduras e protetores de cabeça, formando um visual como o dos samurais. A sensação é de estarmos diante de antigos guerreiros que se preparam para uma batalha. Artes Milenares O kenjutsu e o iaijutsu surgiram no Japão no século 13. Por volta de 1281, com as tentativas de ataques mongóis ao território japonês, as técnicas de utilização de espadas foram aprimoradas, contribuindo para o surgimento dessas artes entre os samurais, guerreiros seguidores do rígido código de honra do Bushido e que serviram como soldados da aristocracia japonesa até o século 19. A diferença básica entre kenjutsu e iaijutsu é a presença ou não do combate. O iaijutsu (iai = adequar-se + jutsu = técnica, arte) é a arte de desembainhar a espada contra um inimigo imaginário. No kenjutsu (ken = espada), os alunos combatem contra inimigos reais. As duas modalidades têm versões modernas, o kendo e iaido, com um número menor de seqüência de golpes e mais voltado à disputa de competições. "No iaijutsu predomina o lado introspectivo, a observação dos detalhes, a respiração. O kenjutsu é parte mais extrovertida. É a estratégia aplicada em tempo real com muita atividade física e também muito "kiai" (grito), ou seja, espírito de combate", esclarece Wenzel Bohm, de 32 anos, coordenador do Instituto Niten, local especializado no ensino das artes e filosofia samurais. Jovens nas aulas O professor (sempai) Cristiano Kato, de 24 anos, diz que tem alunos de 5 a 80 anos, mas destaca que a procura das artes por adolescentes é grande. "O interesse dos adolescentes aumentou bastante, principalmente, a partir de 2004, quando o filme O Último Samurai foi exibido nos cinemas", diz Kato, que dá aulas há dois anos no Instituto Niten. Ele acrescenta que muitos jovens também procuram o instituto por influência de desenhos animados, os animes; e de quadrinhos japoneses, os mangás. O estudante Vitor Fugita, de 13 anos, é um dos que tiveram um primeiro contato com as artes marciais por meio de animações japonesas. "Sempre gostei de assistir a desenhos japoneses. Foi com eles que conheci as artes marciais japonesas com espadas". O adolescente não imaginava que poderia praticar o que via nos desenhos, até que, aos nove anos, fez uma pesquisa na web e descobriu as aulas do Instituto Niten. Desde então, pratica o kenjutsu rigorosamente quatro vezes por semana. Entre os alunos, as mulheres são minoria, representando somente 20% dos alunos no Niten. "Acho que as meninas ainda ficam um pouco intimidadas com a luta. Mas, as que têm interesse devem vir assistir sem medo. Tenho certeza que muitas vão se identificar e gostar", diz a estudante Fernanda Guanais Aroca, de 17 anos, praticante de iaijutsu há dois anos. Muitos imaginam que vão encontrar nas aulas somente alunos de origens orientais, como o estudante Luiz Fábio Yamashita, de 16 anos, que pratica kenjutsu há dois por influência de sua família. Mas casos como o dele não são maioria. "Em São Paulo, 70% dos alunos são brasileiros sem descendência oriental", afirma Bohm. Bushido: A filosofia dos samurais Mais que modalidades de luta, o kenjutsu e o iaijutsu, de acordo com adolescentes que freqüentam as aulas, se destacam pelo aspecto filosófico que busca o aperfeiçoamento da concentração, do espírito de grupo e da disciplina. "Nunca tinha me interessado por artes marciais. Até conhecer o kenjutsu, tinha a idéia de que qualquer arte tinha como único objetivo a competição e o treinamento físico", conta o webdesigner Luiz Pires, de 18 anos, que pratica kenjutsu há seis meses. O lado filosófico é representado pelo Bushido, o código de honra dos samurais. Por meio desse código, um conjunto de princípios, os guerreiros procuravam servir a seu senhor com o máximo de empenho e lealdade. Esses princípios acabaram se transferindo para a busca da perfeição nas artes marciais e na reputação pessoal. Embora toda arte marcial seja pautada nos princípios dos antigos samurais, no kenjutsu e no iaijutsu ela pode ser compreendida diretamente através da prática, pois a "alma do samurai era a espada". "Não é necessário levar longe as analogias, a espada está diretamente presente no treino, e em seguida a analogia é levada diretamente para o cotidiano do aluno", destaca Bohm. Ao final das aulas, durante 15 minutos, o sensei (professor mais experiente) passa aos alunos mensagens filosóficas. "Gosto bastante dos 15 minutos finais, quando nos são passadas mensagens da filosofia, o que nos dá força e ânimo. É muito positivo, a gente adquire garra pra seguir em frente nos treinos e na vida", diz Pires. "Inicialmente queria aprender uma luta para defesa pessoal. Mas, lá encontrei outra coisa totalmente diferente e me satisfiz. É uma arte marcial na qual você adquire mais confiança em si mesmo", relata a estudante Renata Cabral Bernabé, de 20 anos, que pratica iaijutsu há 9 meses. Aos adolescentes é altamente recomendável a prática das artes."Na adolescência, por conta de todas as novidades e dúvidas que essa fase traz, é importante a prática das artes que se destacam por trabalhar a disciplina e por tonar as pessoas mais forte espiritualmente", destaca Bohm. Espadas As espadas são as estrelas da aula. Não há quem não fique fascinado ao vê-las em movimento nas mãos dos alunos. Há as de madeira, as de bambu e as de metal. Cada uma delas é utilizada em um momento específico da aula. Bohm explica que no iaijutsu, os golpes ou projeções (katas) são feitos com as espadas de madeira conhecidas como bokuto. "Só os não novatos utilizam as de metal e sem corte, ou iaitos". No kenjutsu, os primeiros katas são feitos com a de madeira e em um segundo momento, quando os alunos vestem a armadura (bogu), passam a executar fundamentos específicos com espadas de bambu (shinai). "No kenjutsu, espadas de metal com corte só depois de 15 ou 20 anos de treinamento", esclarece Kato. "E são usadas em raras ocasiões, como em uma apresentação para o imperador", explica Bohm. Por esse motivo, os professores garantem que os pais não têm com o que se preocuparem. "Não é uma atividade perigosa, como alguns pais podem pensar a princípio. Existe o equipamento de proteção e no kenjutsu, que treina o combate, as espadas são de bambu, não têm corte", diz Kato. "A primeira impressão da minha mãe foi de estranhamento. Agora ela viu que estou super integrada e dá apoio", comenta a estudante Marina Estrella, de 16 anos, praticante de iaijutsu e de kenjutsu há 9 meses. Torneios As artes marciais não priorizam competições. "No kenjutsu e iaijutsu temos torneios, mas a finalidade não é ganhar medalhas, e sim ´fazer amigos e cruzar espadas´, reunir pessoas de todos os cantos do Brasil para trocar experiências e fazer novas amizades", explica Pires. Há dois organizados pelo Niten, um individual no início do ano, e outro, por equipes, no final. "Os torneios são voltados para a confraternização e para fazer novas amizades. Encontramos pessoas de diversos Estados e até de Buenos Aires", concorda Fugita. Como começar Para começar, os interessados podem procurar uma das 32 unidades do Instituto Niten espalhadas pelo País. No site da instituição há os endereços. A primeira aula é gratuita. Quem não tem o equipamento, não precisa se preocupar: o instituto fornece nessa primeira aula. Ficou interessado? Então, prepare o bolso. Não são atividades de baixo custo. A mensalidade pode variar de acordo com a idade do aluno ou região do país, de R$ 80 a R$ 240. Além disso, o aluno deve adquirir a vestimenta: o quimono e a hakama (saia-calça) à parte. No instituto Niten, os equipamentos (espadas, as peças que protegem a cabeça) utilizados e o aluguel da armadura são negociados à parte. Quem pratica, porém, considera o valor justo pelo aprendizado que se tem e pelo fato de poder freqüentar o instituto em qualquer unidade e na quantidade de vezes por semana que o aluno quiser. "Às vezes você paga o mesmo para fazer natação ou musculação e não tem o mesmo ganho emocional", conclui Pires.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.