Líder sunita assume mesquita em São Paulo

Mohamad Al-Moghraby, que vai liderar a Mesquita Brasil, a mais antiga da América Latina, acredita que o problema do Brasil seja a falta de apoio aos jovens

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Por Agencia Estado
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Nos meses de conflito entre Israel e Líbano, em 2006, o xeque sunita Mohamad Al-Moghraby unia-se ao padre cristão ortodoxo Felipe Habib el-Oukla para distribuir pão a famílias isoladas pelos bombardeios. Eram dos poucos a se arriscar em Marjayoun, reduto do Hezbollah e principal alvo dos mísseis israelenses. É com esse espírito e idéias progressistas que o líder religioso chega a São Paulo para assumir a Mesquita Brasil, a mais antiga da América Latina, de 1929. Traz a missão de reunir o rebanho, em especial jovens desgarrados pelos costumes liberais do Brasil. Nos planos estão uma rádio e uma emissora de TV islâmicas. "Antes do 11 de setembro, os muçulmanos não fizeram a sua parte em divulgar a religião e o mundo conheceu o islamismo pela mídia. Foi um erro", diz. Ele também quer unificar as comunidades, promover o wakf (espécie de fundo único para ações sociais), reunir as mulheres muçulmanas em palestras e os jovens em um centro cultural e de convivência para que estabeleçam relações duradouras e possam se casar. "As sociedades islâmicas são como os dedos. Você junta e tem a mão." O islamismo é a segunda mais numerosa religião do mundo, com 1,3 bilhão de seguidores, atrás apenas do cristianismo. No Brasil, apenas 15% dos árabes que migraram após a 2ª Guerra eram muçulmanos. Eles vieram, em maior número, com a intensificação de conflitos no Oriente Médio, a partir de 1975. Mas o Censo 2000 aponta pouco mais de 27.200 seguidores ou 0,016% da população - embora entidades islâmicas afirmem reunir 1 milhão. "Além de ter poucos seguidores, o islã no Brasil é politicamente fraco. Isso se deve também ao fato de não terem uma entidade representativa ou voz única como o Papa", diz o professor de ciência da religião da PUC Frank Usarski. Os xeques são líderes de influência local nas comunidades, mas sem hierarquia entre si - estima-se que no Brasil existam 100 mesquitas e entidades islâmicas, entre sunitas e xiitas. "Essa fragmentação dificulta a possibilidade de se corrigir a imagem pública do islã, associada injustamente ao terrorismo, e de se encontrar um caminho comum. É muito difícil para as minorias se organizarem frente a uma instituição tão forte quanto a Igreja Católica e acabam por perder seguidores. É importante ter um porta-voz, um representante do islã moderno." Apoio aos jovens Mohamad é um jovem de 29 anos, esportista (pratica corrida, natação, montaria e desafia qualquer brasileiro no xadrez) e vaidoso - adora perfumes, sendo o preferido Rosa do Golfo, da Arábia Saudita. Comunicador de idéias que fogem ao radicalismo e bom político, tem a fala suave e o olhar penetrante. "Ele olha nos olhos, quer falar ao coração", diz a mulher, Zainab Elkhateb, de 22 anos, nascida no Brasil e criada no Líbano. Ele não obriga a mulher ao usar o véu, embora ela tenha optado pela tradição. "O importante é conservar características islâmicas. A prática da religião é o caminho da sabedoria." O xeque diz que o problema do Brasil não é praia nem caipirinha - o álcool é proibido pelo islã -, mas a falta de apoio aos jovens. "O jovem sem fé fica perdido. Ele tem de sentir que tem papel na sociedade. No Líbano, eles encontram esse apoio nas mesquitas e na escola. Têm atividades e são preparados para o mercado de trabalho. Não ficam com tempo livre. Quando fazem algo errado, não podem ser abandonados. A violência resulta da pobreza e da ignorância, do sentimento de ser inútil", acredita. No Líbano, Mohamad pregava as palavras do profeta nas prisões desde a adolescência. Filho de um empreiteiro e de uma dona de casa - que ele prefere chamar de rainha do lar -, quis estudar a sharia (lei islâmica) aos 11 anos, por vontade própria. Mudou-se para a madrassa (escola, em árabe) Al-Azhar, onde estudava em período integral direito e religião. Era aluno tão dedicado que passou a ensinar outros colegas, dar palestras em mesquitas e visitar presos. Manifestou cedo a liderança política. Na quinta série, formou um conselho de alunos do qual se tornou presidente. E não sossegou enquanto não trocaram a diretoria, que proibira alunos brasileiros descendentes de imigrantes libaneses, recém-repatriados, de ter contato com outros alunos da escola. "Achei a atitude errada e reuni o conselho contra a administração até a diretoria ser substituída", conta. Preconceito Por sua vocação, o xeque se tornou pupilo do mufti Khalil Al-Maisse, do Vale do Bekáa, a 30 quilômetros ao leste de Beirute. Foi ele quem decidiu que o xeque viria ao Brasil - no aeroporto, tirou a bata e a entregou a Mohamad, gesto raro vindo de um mufti (espécie de juiz com poder de decidir quando a jurisprudência islâmica não é clara). "O profeta criou um mundo belo e temos de amar esse mundo e se relacionar com o ser humano, independentemente da religião. É uma honra ajudar um semelhante, judeu ou cristão." A atitude já foi bem-vinda nas comunidades muçulmanas. "O grande desafio hoje é vencer o preconceito que associa o islamismo ao terrorismo e à segregação de mulheres", observa o médico Youssef Ali Abbouni, integrante do Conselho da Escola Islâmica Brasileira. No Brasil, o xeque já esteve com representantes da Igreja Católica e Ortodoxa e dos muçulmanos xiitas e com os xeques das seitas drusa e maronita. E pretende reunir-se com judeus. "Numa época em que existe tanto fundamentalismo religioso, a chegada de um xeque aberto ao diálogo com adeptos de outros credos é uma ótima notícia.", diz o rabino Henry Sobel presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista. "Já temos diálogo inter-religioso mais intenso com judeus, com culto na Sé pela paz no Iraque e anti-invasão, mas também há esforço de aproximação com a comunidade muçulmana. Ficamos muito felizes que ele venha com essa vontade", diz dom Pedro Luiz Stringhini, bispo-auxiliar de São Paulo.

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