PUBLICIDADE

Loja onde Ary Barroso e Noel Rosa compravam fecha no Rio

Local estava em funcionamento na Rua da Carioca, centro da capital, desde 1887 e vendia instrumentos musicais

Por Clarissa Thomé
Atualização:

Depois de 121 anos de funcionamento, a loja A Guitarra de Prata, freqüentada por Pixinguinha, Noel Rosa e Ary Barroso, e fornecedora preferida de Paulo Moura e Baden Powell, fechou as portas no centro do Rio. Os funcionários da loja na Rua da Carioca, no centro do Rio, foram avisados do encerramento das atividades no dia 31. Veja também: Galeria de imagens da loja centenária  Vizinhos acompanharam a retirada de instrumentos musicais nesses últimos dias. "É uma tristeza. Eu ia sempre comprar papel de música, que não se encontra mais por aí, só cadernos. Mas, para desenvolver uma idéia, sempre preferi o papel. É uma perda para a música", lamentou o clarinetista Paulo Moura, que freqüentava a loja desde os anos 1950. Outro que tem boas lembranças é o compositor Moacir Luz. "Essa loja remete à minha infância. Ficava ziguezagueando, olhando a vitrine, como mosca de padaria. Até que pude comprar meu primeiro violão decente ali", contou. Para Luz, o fechamento é resultado do "novo comércio" - catálogos e internet, financiados por cartões. "São muitas as facilidades. O hábito de sentar num banquinho e testar o instrumento está acabando." A Guitarra de Prata foi inaugurada em 1887 por Antônio Tavares de Oliveira. Pioneira na venda de gramofones no Rio, ao longo dos anos tornou-se uma das melhores casas do ramo. Conta a lenda que Noel Rosa batucava numa caixa de fósforo na entrada da loja, quando compôs Com que Roupa. Ali Dilermando Reis deu aulas de violão, antes de fazer sucesso no rádio e firmar-se como um dos mais importantes violonistas do País. Com o passar das décadas, o estabelecimento tentou adaptar-se aos modismos. Nos anos 1950 e 1960, época de ouro do rádio, a casa vendia até 20 acordeons por dia. Nos anos 70, as guitarras faziam sucesso. Os teclados tornaram-se, mais recentemente, o instrumento da vez. E violões sempre estiveram entre os mais vendidos. A Guitarra passou a vender softwares musicais, numa tentativa de acompanhar as mudanças, mas não foi suficiente. "A verdade é que a Guitarra de Prata parou no tempo. Vivemos o nosso pior momento antes do fechamento. O movimento caiu muito, as dívidas acumularam, houve desavença entre os sócios", diz Miguel Roberto Lia, de 71 anos, 52 deles passados como funcionário da Guitarra. "Percebemos que as coisas não iam bem quando deixaram de depositar o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), há uns seis meses. Alguns donos de lojas da vizinhança começaram a visitar. A gente perguntava se a loja seria vendida, mas a dona desconversava", contou. Nas outras trocas de comando, a casa permaneceu em funcionamento. Foi assim quando Otilia Clark Ventura assumiu a direção, depois da morte do marido, Samuel Ventura, em 1963. Foi substituída pela neta, Leila Ventura, em 1983. Em 1995, Leila sofreu assalto, levou um tiro no pescoço e, um mês depois, morreu. Os filhos assumiram a loja e depois a venderam para Maria Helena Moço, que era fornecedora de instrumentos. No mês passado, Maria Helena foi procurada pelo Estado, mas, abatida, recusou-se a falar. Procurada novamente, não foi localizada. "Eu a encontrei aqui na rua e ela comentou apenas que tinha fechado. É uma coisa meio estranha passar pela Carioca e ver uma loja tão tradicional fechada. Sinto um certo vazio", afirmou Marcos Oliveira, proprietário da Casa Oliveira, fundada em 1956 e agora a mais antiga do ramo. No número 37, onde funcionava a Guitarra, não foi deixada nenhuma informação aos clientes - a única inscrição é de uma placa da prefeitura, em homenagem à loja com "mais de um século de tradição, contribuindo para o aprimoramento da nossa cultura musical". A estudante de Música Sheila Frauches, de 30 anos, ficou frustrada. "Comprei aqui meu teclado e vim para comprar o violão. É loja de tradição. Difícil acreditar que não tenha resistido." O ex-funcionário Lia tem esperanças de ver a Guitarra reaberta. "Soube que a loja foi vendida. Espero que reabra com o mesmo nome", disse. O antigo vendedor, que recebeu convite para trabalhar em outras lojas, decidiu aposentar-se. "Encerrei o ciclo. Gostei dessa vida de vagabundo", brinca.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.