Luta por uma candidatura sustentável

Com uma história marcada por superações improváveis, Marina tenta se firmar como alternativa política após romper com Lula e o PT

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Por Flavia Tavares
Atualização:

Já no segundo mandato do presidente Lula e, portanto, em seu segundo termo como ministra do Meio Ambiente, Marina Silva se sentia constrangida em alguns eventos onde os participantes teimavam em gritar "Marina presidente".Em encontros com jovens ou em conferências de mulheres, com o chefe ao seu lado, a seringueira que virou empregada doméstica que virou professora de história e uma das ambientalistas mais respeitadas do mundo era convocada por quem a queria no posto mais alto de comando.Irritada, Marina ordenou a seus assessores que impedissem esse tipo de manifestação. Esse papo de Presidência estava fora de cogitação. "Ela não demonstrava intenções do que faria depois que saísse do ministério e voltasse ao Senado", lembra Bazileu Margarido, um de seus assessores mais próximos. "Marina dizia que, se pensasse no passo seguinte, deixaria de tomar as decisões corretas para tomar as convenientes." A única certeza era de que não queria se perpetuar no Senado e ser uma congressista profissional.Se os gritos de seus admiradores foram abafados, o desejo do Partido Verde (PV) de tê-la como titular na corrida presidencial seguiu pungente. O namoro foi esquentando conforme Marina perdia espaço na gestão do companheiro de 30 anos de PT. Depois de cinco anos no ministério, com movimentos que demandaram extrema força política, outras correntes do governo começaram a se sobrepor. Influência. Em 2004, o Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia Legal foi possivelmente a maior vitória da gestão Marina. A queda no desmatamento foi de 57% nos primeiros três anos - um número que ela adora repetir. A influência da ministra era tanta no começo do governo Lula que o plano foi implantado a partir da articulação com 13 ministérios, coordenados pela Casa Civil de José Dirceu e, claro, por Marina.Porém os Estados e as empresas que mais devastavam encontraram brechas na lei. Além disso, outro plano estava sendo construído, o PAC. A demora para liberar licenças do que seria o trunfo do segundo mandato de Lula foi isolando a ministra. Quando, no final de 2007, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostraram que o desmatamento voltava a crescer, o então governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, contestou as informações publicamente. O conflito entre os dois era latente, embora "sempre tenha sido respeitoso", nas palavras de Maggi. "Marina sabia ser dura na defesa de seus argumentos, mas sabia refletir sobre posições contrárias às suas", diz o agora candidato ao Senado. O fato é que, na época, Maggi ganhou o apoio de Lula. "Perguntada pelo Jornal Nacional, ela não recuou um milímetro", lembra Bazileu.O sinal definitivo de que seu espaço no governo havia se reduzido veio no lançamento do Plano Amazônia Sustentável, em 8 de maio de 2008. Pressionado, Lula anunciou, em uma reunião tensa com os governadores da Amazônia legal, que revisaria um decreto de 2007 que fechava o cerco ao desmatamento. Para completar, passou o comando do plano para o então ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos. Sem consultar Marina. Cinco dias depois, ela comunicava sua saída da pasta. "Ela nos disse que preferia um filho vivo no colo de outro a um filho morto em seu colo", conta João Paulo Capobianco, seu braço direito no ministério.Apesar da repercussão internacional do rompimento da ambientalista com o presidente, o PT não se constrangeu em continuar minando a senadora também no Congresso. "Seus projetos eram tirados da pauta, sem cerimônia", diz Capobianco. O partido onde Marina havia iniciado sua atuação política com Chico Mendes, em 1985 (um ano antes eles fundaram a Central Única dos Trabalhadores do Acre), e pelo qual se elegeu a senadora mais jovem da história, com 36 anos, agora lhe virava as costas. E o PV a cortejava.Dirigentes verdes prometeram a Marina, em meados de 2009, uma revisão do programa partidário e de seus quadros. Queriam que ela participasse do processo e fosse a candidata à Presidência em 2010. Mal sabiam que, decepcionada com o PT, ela planejava se afastar da política partidária ao completar o mandato de senadora. Queria voltar a lecionar no Acre.Queria também criar o Instituto Democracia e Sustentabilidade, lançado na segunda-feira, nos moldes do Instituto Cidadania que Lula fundou antes de se eleger - apenas mais um ponto em comum com a trajetória do presidente a que serviu. "Em termos de história de vida, a verdadeira sucessora do Lula é ela", acredita Capobianco. Marina nasceu na colocação de seringa Breu Velho, a 70 quilômetros de Rio Branco. Aprendeu a ler aos 16 anos, no Mobral. Queria ser freira, virou professora. Não antes de se envolver com o sindicalismo, as Comunidades Eclesiais de Base e os movimentos sociais. Tem quatro filhos e está no segundo casamento. Sua vida foi pontuada por problemas de saúde, decorrentes de uma contaminação por metais. Não há como não pensar no sindicalista nordestino... Mas nenhum de seus assessores próximos ousa afirmar que, se não for eleita, essa será a primeira de muitas tentativas de Marina para chegar ao Planalto.Passos. Ao ouvir a proposta do PV, a senadora optou por agir em três passos: primeiro, sairia do PT (o que ela considera, até hoje, a ação mais difícil de sua história). Saiu no dia 19 de agosto de 2009. Depois, se filiaria ao PV, o que aconteceu no dia 30 daquele mês. Por fim, pensaria na candidatura que tão veementemente refutava dois anos antes. Decisões firmes podem não combinar com seu aspecto frágil e sua voz serena. Quando ministra, ela ia a reuniões sempre acompanhada de algum de seus assessores, o que lhe rendia a pecha de insegura sobre assuntos técnicos. "A Marina é muito firme, segura, mas reconhece que não sabe tudo. Ela diz que é a equipe que conseguir montar." É assim que a pré-candidata vem lidando com a pressão de montar um programa de governo para o País. "Só sou grande porque me apoio no ombro de gigantes", costuma dizer.

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