Marchinhas voltam a fazer sucesso

Esquecido desde os anos 80, estilo tem sido redescoberto, como provam os blocos de rua e um concurso no Rio

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Por Daniel Piza
Atualização:

No centenário de Carmen Miranda, o estilo que mais a tornou popular ensaia um renascimento. Postas de canto pela indústria do samba-enredo desde os anos 80, quando João Roberto Kelly (leia ao lado) emplacou o sucesso de Maria Sapatão e Bota a Camisinha, as marchinhas têm sido redescobertas, como provam os blocos de rua do carnaval carioca e o musical de teatro Sassaricando. Mais que isso: nova safra de compositores tem se dedicado a compor marchinhas e algumas começam a ser cantadas pelos foliões ao lado de clássicos como Taí, a marchinha de Joubert de Carvalho que fez a Pequena Notável despontar em 1930. A principal vitrine desses novos compositores tem sido o concurso da Fundição Progresso, na Lapa, no Rio, que acaba de encerrar sua quarta edição, com divulgação do programa Fantástico e a vitória da irônica Bendita Baderna, de Edu Krieger, de 33 anos, filho do maestro e compositor de vanguarda Edino Krieger. O maior incentivador do concurso é Eduardo Dussek, que levou o terceiro lugar com a desbocada Todo Mundo Nu. O segundo foi Jorge Poeta, pelos duplos sentidos de A Mãe do Paulo (veja as três letras nesta página). Ao todo, concorreram 843 marchinhas enviadas do Brasil inteiro. Para João Cavalcanti, terceiro lugar em 2008 com Maria do Cabelo Bom, essa redescoberta das marchinhas "está intimamente ligada à retomada do carnaval de rua do Rio", destacando os blocos Céu na Terra e Cordão do Boitatá, além do Suvaco do Cristo, do qual é compositor regular. O concurso, para ele, foi mais uma consequência desse movimento do que sua causa. Edu Krieger observa que, apesar da força da Liga das Escolas de Samba com as rádios e TVs, os sambas-enredo há muito tempo já não encantam, o que abriu espaço para o carnaval em locais como o Amarelinho e o Clube dos Democráticos, ambos na Lapa, e para a formação de um público jovem para as marchinhas. Para o jornalista Bruno Maia, de 26 anos, as marchinhas fazem parte de um resgate maior, "o resgate da cultura do samba nos últimos dez anos" - sobre o qual prepara o documentário Sistema Lapa de Samba, a estrear em 2010. No site do projeto (www.sistemalapadesamba.com.br), há um vídeo com a marchinha de outro jovem compositor, Pedro Hollanda, chamada Na Lapa Eu Sou Mais Feliz. Hollanda foi finalista do concurso no ano passado com Pijama de Bolinha, uma das que mais têm sido cantadas pelos frequentadores dos blocos e clubes. Sua mãe, Vera Hollanda, nunca havia composto nada, mas, com o sucesso do filho, fez uma marchinha para o concurso deste ano. Título: Velhinha Animada. Mas não são apenas os cariocas que estão marchando, não. Krieger observa que, na Bahia, sob o nome de "galope", existe uma variante mais percussiva da marchinha; e dá como exemplo Quer Andar de Carro Velho, Amor, Que Venha, da Banda Eva. Mesmo uma canção com levada funk pode ser uma marchinha disfarçada, como "Eu só quero é ser feliz/ andar tranquilamente na favela onde eu nasci". Krieger diz que ela, "se for tocada com naipe de sopros, tarol e surdo, cabe perfeitamente no baile do Cordão da Bola Preta", com Mamãe Eu Quero ou Cabeleira do Zezé. Também em São Paulo há um endereço, o Avenida Club, que há sete anos organiza um carnaval com a Super Banda Koisa Nossa, que neste ano homenageia o veterano José Costa, de 80 anos, autor da Marcha do Caneco ("Chegou a turma da alegria/ chegou a turma do funil") e de muitas outras. De que forma as composições renovam e não apenas repetem o modelo dessas marchinhas tradicionais? "Não é preciso reinventar a roda; é um gênero carnavalesco", diz Cavalcanti, "mas a maior diferença está nas letras." Ele lembra que as marchinhas sempre fizeram "uma crônica social de sua época, um recorte bem-humorado de seu tempo", e por isso vemos referências como Lula, Obama, Viagra ou raspadinha nas letras atuais. "No caso das marchinhas, em geral a música é uma alegoria da letra, salvo nas marchas-rancho, que têm mais margem para melodias mais românticas ou sofisticadas." "Alegria na melodia e gozação na letra", segundo o historiador Zuza Homem de Mello, são as características básicas da marchinha, mas por isso há uma falsa impressão de que não tinham muita qualidade musical. Ao comentar o CD Carnaval Piano Blues, de Antonio Adolfo, de marchinhas em versões instrumentais, Zuza notou que com algumas alterações na harmonia o pianista mostrou a tristeza embutida em melodias simples como O Teu Cabelo Não Nega e A Estrela Dalva. Também nas marchinhas a tristeza é senhora. Ou uma velhinha bem animada. Sig Bergamin DECORADOR "Os carnavais em São José do Rio Preto, que pulei no Automóvel Clube, na década de 70. Era adolescente e não perdia uma noite. Teve um ano que ganhei o prêmio de maior folião. Era bárbaro! Não tinha drogas, bebidas, violência." LETRAS DAS MARCHINHAS VENCEDORAS 1. Bendita Baderna Edu Krieger Um dia Deus estava entediado Sentado no seu trono de cristal Olhando a imensidão naquela solidão Cansou da santa paz celestial E num momento de rara inspiração Criou planetas, cometas e animais Pra finalizar a criação, fez o ser humano E nunca mais dormiu em paz Agora já era o Juízo Final Bendita baderna, livrai-nos do mal Relaxa Pai Nosso, libera geral Sem culpa ou remorso, hoje é Carnaval 2. A Mãe do Paulo Jorge Poeta A mãe do Paulo, pra economizar passagem, Botou o Paulo pra entrar na frente Sem consultar o motorista, um sujeito muito exigente Houve um tremendo alvoroço Ninguém aguentava mais Ela queria o Paulo na frente Mas o motorista quer o Paulo atrás Paulo, Paulo, Paulo na frente Paulo, Paulo, Paulo atrás 3. Todo Mundo Nu (Marchinha Raspadinha) Eduardo Dussek Tá todo mundo depilado Tem raspadinha e raspadão Hoje em dia todo mundo anda pelado Voltou o tempo de Eva e Adão Vamos tirar a roupa Que a vida é louca E hoje tudo tá normal Vamos tirar a roupa Beijar na boca É Carnaval Vamos tirar a roupa Sair pelado, depilado Na moral Não me leve a mal Com todo mundo nu Fica tudo mais legal Todo mundo nu Todo mundo nu Cada um segure o seu baú.

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