Marco Sabino, o médico das bijuterias

Aos 30 anos, ele trocou o jaleco branco pelo colorido das passarelas

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Por Fernanda Aranda
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O calendário foi profético, acredita Marco Sabino, ao reservar o primeiro dia de agosto para seu nascimento. A data coincide com o aniversário do costureiro francês Yves Saint Laurent, já famoso naquele ano de 1953. Mas moda para a família típica de Belo Horizonte nunca foi prioridade - estava mais é para futilidade - e o tal aviso dos "astros" passou batido. Ele então aventurou-se em outros caminhos. Virou médico, clínico geral, diretor de laboratório e por tempos vestiu jaleco. Aos 30 anos de idade, percebeu o quão errado era seu figurino. Sabino só então decidiu trocar o branco predominante das roupas da saúde pelos coloridos das passarelas. Trilhou caminho como estilista, colocou glamour nas bijuterias, foi autor de mais de 15 coleções de colares, brincos e anéis e se considera responsável pelo up grade nas sandálias Havaianas. Agora, muitos modelos depois e prestes a completar 56 anos, ele amadurece novas peças (que não eram criadas há dois anos) e tem no forno seu segundo livro sobre história da moda - após o primogênito Dicionário da Moda (Editora Campus/Elsevier), lançado em 2006 e rumo à segunda tiragem. Ele também é curador de exposições de perfumes sobre o Ano da França no Brasil. No vocabulário do doutor/estilista, a origem mineira é escondida pelo sotaque carioca. Como aos 3 anos, Sabino "nasceu" no Rio e fez de Ipanema seu berço, o arrastado "né mesmi" - típico de Belo Horizonte - rapidamente foi substituído pelos "s" e "r" carregados. Foi nessa época que aprendeu a falar "carioquês" que o destino duplo do filho do meio dos Sabinos foi traçado. Primeiro de lápis de cor, quando aos 8 anos desenhou seu primeiro croqui. Depois, de lápis grafite aos 11, quando fez uma redação na escola cravando no papel: "vou ser médico". Só pensar em ser doutor já rendeu "status" entre irmãos, primos, tios. E ele entrou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na lista de chamada da classe, o nome do atual ministro da Saúde, José Gomes Temporão, ficava só alguns acima do seu. Ninguém da turma apostava que aquele jovem comportado teria Brasília como destino. Já Sabino, começava a ser seduzido por outra carreira. Não era um flerte descarado no início e, ainda que rendesse uns trocados, a moda jamais foi encarada como ofício. TERAPIA Fazer terapia durante a faculdade era um desejo de Marco Sabino, mas faltava verba para custear a consulta. Pedir para o pai estava totalmente fora de questão."Para conseguir pagar meu analista, comecei a vender bijuterias, que eu mesmo criava, com botões, presilhas e tecidos que sobravam nas gavetas de casa", lembra. "Fazia o maior sucesso com as amigas." Recém-formado, em 1977, todo o cérebro e todo o fôlego eram reservados para a residência no pronto-socorro municipal da cidade . Os primeiros pacientes começaram a chegar, mas... "Faltava remédio, faltava sutura, faltava maca, faltava tudo. Nada do que eu aprendi eu conseguia exercer. Desisti de clinicar." Foi o primeiro ensaio, mas não a ruptura definitiva. Um emprego de diretor médico de um laboratório dinamarquês anunciado no jornal prolongou o casamento com a medicina. Durou dois anos. "Foi uma renúncia difícil e dolorida, mas ali me despedi da profissão. Fui para Alagoas e passei 40 dias repetindo para mim mesmo que não era mais médico." Se a redação aos 11 anos errou na profecia, o desenho colorido dos 8 começou a falar bem mais alto. Com uma pastinha debaixo do braço, Sabino trouxe seus trabalhos para São Paulo e, de porta em porta nas lojas chiquérrimas dos Jardins, foi mostrando sua criação de acessórios. Em 1980, nasceu um estilista. Um ano depois, montou o primeiro showroom. Em 1982, vieram as clientes famosas - Glória Kalil foi a primeira. Até Vera Fischer "by Sabino" foi assistida em uma novela da Globo. A família já não reclamava de ter perdido um médico e ganhado alguém que circulava no meio artístico. HAVAIANAS Ousado, Sabino tentou dar luxo aos "pés de chinelos de dedo". Em 1992, colou strass nas tiras das Havaianas e deixou a sandália monocromática. Primeiro passo em direção à elite que tanto rejeitava o calçado. O auge da carreira veio quatro anos depois, em 1996, quando uma modelo que ainda era "marolinha" vestiu seu colar. Pouco tempo depois, ela virou o tsunami chamado Gisele Bündchen. "Outras modelos usaram minhas peças, mas esta foi especial." No fim das contas, Sabino fica em dúvida ao saber o que aconteceu entre os 8 e 11 anos de idade para os planos de vida do mesmo garoto serem tão diferentes. Acha, no entanto, que moda e medicina não são tão antagônicas assim. "O ser humano, que rege os dois campos, é o mesmo. A sensibilidade usada nas duas áreas é igual." Ser estilista foi o melhor remédio.

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