Mercúrio de garimpo ilegal contamina índios no Pará, diz pesquisa

Ingestão de peixes da região do Médio Tapajós pode causar problemas neurológicos, como convulsões e desmaios

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Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO - Índios da etnia munduruku que vivem no Médio Tapajós, no Pará, foram contaminados por mercúrio proveniente do garimpo na região. Estudo multicêntrico coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fiocruz revelou a exposição crônica dos indígenas ao metilmercúrio. O motivo é a ingestão frequente de peixes contaminados pelo elemento. A contaminação por mercúrio pode causar problemas neurológicos graves.

O objetivo da pesquisa entre habitantes de três aldeias da região era investigar o impacto na saúde e no ambiente causado pela atividade garimpeira. O trabalho foi feito depois de uma denúncia de lideranças locais aos pesquisadores da Fiocruz. Pesquisadores trabalharam na terra indígena Sawré Muyubu, em fase de identificação e delimitação pela Funai. Localizada entre os municípios de Itaituba e Trairão, a terra é ocupada pelo povo munduruku.

Mulher lava roupa no rio Tapajós, emItaituba, no Pará Foto: Nacho Doce/REUTERS

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“Resolvemos fazer esse trabalho depois de recebermos uma denúncia da Associação Indígena Pariri, que representa o povo munduruku do Médio Tapajós. Nossa intenção era buscar evidências científicas para comprovar que o problema existe e está presente na Amazônia”, explicou o médico e pesquisador Paulo Cesar Basta, da ENSP/Fiocruz, coordenador do estudo. “De fato, reunimos evidências inequívocas dos efeitos deletérios da contaminação entre os habitantes das aldeias avaliadas.”

O Pará concentra as maiores reservas de ouro do País. Na região da bacia do Tapajós há uma confluência de terras indígenas e jazidas. Ali, há registros de atividade garimpeira desde a década de 50. O mercúrio é amplamente utilizado na extração de ouro, para separar o metal precioso dos sedimentos durante a mineração. Depois que é liberado no ambiente, o metal contamina os peixes e entra na cadeia alimentar humana. O pescado é a principal fonte de proteína animal dos índios.

Trabalho de campo envolveu visitas a casas e coleta de amostras de cabelo

A coleta de dados na região ocorreu entre os dias 29 de outubro e 9 de novembro de 2019 em três aldeias atingidas pelo garimpo. São elas Sawré Muybu, Poxo Muybu e Sawré Aboy. Foram visitadas 35 residências e coletadas amostras de cabelo de 200 habitantes para a medição de mercúrio.

Em todos os participantes do estudo, incluindo crianças, adultos, idosos, homens e mulheres, sem exceção, foram detectados níveis de mercúrio nas amostras coletadas. Em média, 57,9% apresentavam níveis acima do limite de segurança fixado por agências internacionais de saúde. Entretanto, esses perigosos níveis de mercúrio foram bem mais frequentes na aldeia mais próxima da região de garimpo, Sawré Aboy. Lá, chegou a 87,5% dos moradores. Já na aldeia mais distante, Sawré Muybu, ficou em 42,9%.

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“Ou seja, quanto mais avançamos para regiões mais impactadas pelo garimpo, maior foi o nível de contaminação observado”, constatou Basta.  Entre as crianças, constatou-se que quatro em cada dez menores de cinco anos, nas três aldeias, apresentaram altas concentrações de mercúrio. Isso é especialmente preocupante, segundo Basta. Ele explicou que o mercúrio afeta diretamente o sistema nervoso central em desenvolvimento. Também atinge o cérebro dos fetos em formação no útero materno.

“Quando o mercúrio entra na corrente sanguínea, atua no nível do metabolismo celular, provocando sintomas variados”, explicou. “Entretanto, como costumo dizer, ele tem mais afinidade com o sistema nervoso central. Em adultos, pode causar sintomas leves, como dor de cabeça, insônia, fraqueza nas mãos, redução do paladar, dificuldade para andar, até sintomas mais graves, como convulsões e desmaios.”

O maior problema, segundo o médico, é que os sintomas da contaminação por mercúrio são facilmente confundidos com os sinais de outras doenças. Assim, frequentemente, os profissionais de saúde têm dificuldades para identificá-los corretamente.

Além da análise do nível de exposição dos participantes ao mercúrio, o estudo incluiu avaliação neurológica, pediátrica, de polimorfismos genéticos, que revelaram porcentuais acima do padrão. “Um porcentual alto de crianças (16%) apresentou alguma alteração neurológica como problemas de linguagem, alterações nas relações psicossociais, na motricidade ampla e na motricidade delicada”, contou Basta.

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Análise também revela contaminaçaõ de peixes

Os cientistas também mediram o nível de contaminação dos peixes. Foram capturados 88 exemplares de peixes, de dezoito espécies diferentes. Todos os exemplares pesquisados estavam contaminados. Em alguns deles, o nível de mercúrio ultrapassava em mais de 40% o limite máximo permitido para comercialização e consumo de pescado.

“Os resultados apontam evidências claras dos efeitos deletérios da contaminação por mercúrio nas três aldeias Munduruku, e indicam que a atividade garimpeira vem promovendo alterações de grande escala no uso do solo nos territórios tradicionais da Amazônia, com impactos socioambientais diretos e indiretos para as populações locais, incluindo prejuízos à segurança alimentar, à economia local, à saúde das pessoas e aos serviços ecossistêmicos”, escreveram os pesquisadores no estudo.

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O grupo é formado também por pesquisadores do Imperial College de Londres, da Universidade Federal do Rio (UFRJ), da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e do WWF-Brasil, entre outros. Recomendou a interrupção imediata do garimpo na região e o plano de manejo de risco para as populações das áreas mais contaminadass.

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