Militarização da segurança é caminho fácil e falho, diz coronel colombiano da ONU

Especialista esteve no Brasil para falar a policiais e pesquisadores da área. 'Direitos humanos são a principal ferramenta de trabalho de um policial', diz

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Por Marco Antônio Carvalho
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BRASÍLIA - Luis Alfonso Novoa Diaz fala com propriedade sobre opções truculentas na segurança pública. Coronel da reserva da Polícia Nacional colombiana, ele acompanhou a transição da cultura policial no país, marcado como um dos símbolos da guerra às drogas, para passar a ocupar um dos lugares de vanguarda em modelos de policiamento comunitário na América do Sul. Agora como integrante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, Diaz critica a militarização da segurança, que vê como uma saída fácil e fadada a falhar. Na semana passada, ele esteve no Brasil para o encontro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, onde palestrou para policiais e pesquisadores da área, e concedeu a seguinte entrevista ao Estado.

'A população quando é atacada espera uma resposta do Estado e a resposta mais fácil que está à disposição é levar as tropas militares para as ruas', diz Foto: Danilo Ramos/FBSP

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Por que é difícil falar sobre direitos humanos para as polícias?

A doutrina de segurança nacional persiste na formação dos corpos policiais. E com isso há a percepção de quem protesta é um delinquente, quem exige direitos é delinquente. Ao contrário, a polícia está lá para fornecer garantias, para que os direitos das pessoas sejam garantidos. Há uma dicotomia conceitual que é um produto que  cultura policial não compreendeu totalmente. Os direitos humanos são a principal ferramenta de trabalho de um policial. Quando um criminoso é capturado e tem os seus direitos observados pelos agentes, esses policiais serão mais respeitados, uma referência de autoridade.

Há relação entre a percepção de parte da população de que direitos humanos são direitos para criminosos e o apoio crescente a ações militarizadas na segurança pública?

A população quando é atacada espera uma resposta do Estado e a resposta mais fácil que está à disposição é levar as tropas militares para as ruas como uma maneira de responder ao crime. Mas, primeiro, as Forças Armadas não estão capacitadas para garantir direitos das pessoas, capacitadas para garantir o processamento de uma cena de crime, por exemplo. Há uma falsa expectativa da sociedade que também pode ser atribuída à cultura política no trato com a segurança. A militarização é uma medida de curto prazo e que não pensa em prevenção como uma maneira de se obter segurança. Seria muito mais rentável a opção pelo investimento no ataque aos problemas sociais ligados ao crescimento da violência.

Comando conjunto da intervenção federal no Rio de Janeiro realiza ações de cerco, estabilização e remoção de barricadas nas comunidades da Babilônia e Chapéu Mangueira Foto: FABIO MOTTA / ESTADÃO

O Brasil é tão conhecido pela quantidade de mortos pelas polícias como pela quantidade de policiais mortos. Aumentar a aposta na repressão é a saída?

Sobre a letalidade policial, o que tenho a dizer é que o delito não pode ser combatido com outro delito. Policiais estão investidos de autoridade para a proteção da população. O agente que recorre ao delito se envolve nessa espiral de violência. O ataque a policiais ocorrem por diversas razões, uma delas é porque se integra às gangues por meio da corrupção, comprometendo-se com criminosos e ao mesmo tempo perdendo o respeito deles, abrindo caminho para o risco de morte. Há, por outro lado, policiais bons que atacam aos criminosos e são assassinados para que seja retirado do caminho um obstáculo ao seu intento criminoso.

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O senhor contou um pouco da sua atuação na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Brasil tem uma violação conhecida mundialmente e que ainda está impune, o massacre do Carandiru. Qual o papel da impunidade nesse contexto?

O caso do Carandiru é complicado porque é a expressão de brutalidade por um corpo de polícia. Não se pode abrir fogo de forma indiscriminada contra as pessoas. O tema da impunidade é um fator importante para a manutenção dos espirais de violência. Primeiro porque se os policiais cometem atos criminosos como execuções extrajudiciais e não são punidos, eles creem que isso é permitido. De outra parte, quando são investigados, mas são protegidos por superiores para evitar penas, há a mesma compreensão de que o ato não representa um problema. Vai gerando uma cadeia de eventos que não é interrompida e cuja única maneira de interrupção é se fazendo uma Justiça transparente e investigando e condenando os responsáveis por essas execuções. A morte pela polícia é prevista em determinados casos, mas deve respeitar a três princípios: legalidade, necessidade e proporcionalidade. A polícia só pode atirar em uma pessoa para tirar a vida na certeza de que há necessidade e que o ato está sendo realizado para garantir o direito à vida de uma pessoa em risco em razão da ação do criminoso.

Recentemente, o Brasil alterou a sua lei para prever que militares das Forças Armadas envolvidos em mortes de civis no âmbito de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) sejam julgados por cortes militares, e não mais pela Justiça comum. Essa mudança é alvo de contestação no STF. O que pensa sobre o assunto?

Julgamentos militares é um tema que envolveu a comunidade de toda a América Latina. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que as cortes militares não são imparciais. A justiça penal militar é parte da estrutura militar, mas não é competente, pois deveria se ater a delitos essencialmente militares, como transgressões disciplinares de seus membros. Atuações com violação de direitos humanos é competência única e exclusiva da Justiça comum, capaz de oferecer transparência aos parentes das vítimas, por exemplo. Há um precedente muito perigoso em julgamentos militares: a impunidade.

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Como a polícia de Colômbia mudou nos últimos 30 anos?

Há progressos em matéria de direitos humanos. Um primeiro avanço é que os delitos cometidos por policiais com conotação de violação de direitos humanos não são julgados pela justiça penal militar, mas pela justiça comum, muito mais garantista. Também há política de direitos humanos no interior da polícia que tem facilitado o diálogo com a sociedade civil, permitindo melhores compreensões. Há ainda o desenvolvimento no combate aos grupos organizados por meio de uso das ferramentas tecnológicas, com resultados importantes.

*O repórter viajou ao evento a convite do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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