Ministérios terão responsabilidade por envio de verba a empresas fantasmas

Diante de sucessivas fraudes, a Controladoria-Geral da União enviou circular a ministros alertando que caberá aos gestores públicos checar se uma entidade cumpre os requisitos exigidos por lei, ainda que haja pressão de políticos para repasse de verba

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Por Marta Salomon
Atualização:

Diante dos sucessivos escândalos de desvio de dinheiro público destinado a entidades privadas fantasmas ou sem qualificação, a Controladoria-Geral da União (CGU) quer deixar claro que os ministérios terão de responder pela contratação de convênios. Ontem, o ministro Jorge Hage (CGU) mandou circular aos colegas da Esplanada dos Ministérios avisando que a contratação de entidades sob suspeita, mesmo que indicadas por parlamentares, será de responsabilidade dos órgãos públicos. Hage defende o fim das emendas parlamentares para suas bases parlamentares para coibir a corrupção. "Sustento que os ministérios não estão obrigados a seguir uma indicação de parlamentar e, se a entidade não atender aos critérios definidos pela legislação, o ministério não pode destinar o dinheiro", antecipou o ministro ao Estado. A regra é amparada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), por um decreto presidencial e por uma portaria interministerial, que tratam da contratação de entidades privadas sem fins lucrativos. No ano passado, entidades privadas sem fins lucrativos receberam mais de R$ 10 bilhões da União. O crescimento dos repasses é acompanhado por fraudes nos convênios. Hoje, se identificada a responsabilidade do gestor público pelo convênio irregular, ele responderá a um processo administrativo disciplinar, podendo até ser exonerado do cargo, antes mesmo de as investigações serem encaminhadas ao Judiciário. A avaliação prévia da capacidade operacional e da qualificação técnica das entidades só passou a ser obrigatória nos convênios celebrados a partir do início deste ano, depois de um prazo de adaptação de regras que tentam conter o avanço das fraudes. O aviso da CGU aos ministérios tem o objetivo de cobrar o uso de indicadores de eficiência e eficácia pelos titulares das pastas e demais gestores antes da contratação de organizações não governamentais (ONGs) e Oscips.O governo, desta forma, alerta que a indicação de entidade por parlamentares não justifica a contratação, e cabe aos órgãos públicos aferir se a entidade pode ou não receber verbas. Emendas parlamentares. O ministro Jorge Hage mostra a inconformidade com o atual sistema. "Sempre defendi que a função do parlamentar federal é mais nobre do que funcionar como encaminhador de verbas de caráter paroquial para suas bases e digo isso sem entrar no campo do ilícito, em entidades fantasmas, constituídas no mês anterior ao convênio, sem nenhum currículo", insistiu Jorge Hage. O caso de fraude mais recente foi flagrado pela Operação Voucher, da Polícia Federal. Emendas da deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) destinaram R$ 9 milhões para o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Infraestrutura Sustentável (Ibrasi), criado meses antes de assinar convênio com o Ministério do Turismo. Os serviços não foram prestados. Depoimentos à PF indicam que parte do dinheiro teria sido destinada a Pelaes. Hage disse que os casos de desvios são muito mais frequentes, mas só se tornam públicos quando a ação da Polícia Federal é concluída. "Existem centenas de outros casos semelhantes apurados pela Controladoria e encaminhados à PF, mas que demoram dois, três, quatro, cinco, até nove anos. No caso da Operação Voucher, os mandados de prisão e apreensão saíram após cinco meses de investigação. Escolha. Em 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias que exigia o lançamento de edital de licitação para selecionar as entidades privadas sem fins lucrativos. Ainda hoje, a realização de chamada pública é uma opção para os ministérios. Quando não há processo público, a escolha deve ser justificada. Há parlamentares que já fazem a emenda ao Orçamento com a entidade que deverá receber o recurso. Outras vezes, a indicação é feita em documento para os ministérios. Em 2009, Lula também vetou a exigência de apresentação e documento da Receita Federal para que as entidades pudessem ser contratadas. Basta então apresentar declaração de funcionamento das entidades emitidas por três autoridades locais. Essa fórmula facilitou a criação de entidades fantasmas. Para o ministro Jorge Hage, com a entrada em vigor das regras do Portal de Convênios da União, o Siconv, já seria possível distinguir as organizações não governamentais "sérias da bandidagem". As entidades candidatas a convênios com o governo federal União têm de fazer um cadastro e apresentar uma espécie de currículo.

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