Miséria e sonhos uniam jovens mortos

Wellington, David e Marcos Paulo viviam em situação de risco desde o nascimento e muito perto do mundo do crime

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Por Pedro Dantas
Atualização:

Em situação de risco desde o nascimento, os três jovens do Morro da Providência entregues por militares a traficantes do Morro da Mineira e mortos tinham em comum em suas trajetórias de vida a miséria e a proximidade com o crime. As biografias das vítimas mostram que o trio era do mesmo estrato social de seus algozes, que os torturaram e mutilaram por horas antes dos respectivos tiros de misericórdia. Os aspirantes a pedreiro Wellington Gonzaga Costa, de 19 anos, e David da Silva, de 24, já tinham passagens pela polícia. Único sem registros em distrito, o estudante da 6ª série da Escola Municipal Vicente Licínio Cardoso Marcos Paulo da Silva Correia, de 17 anos, era primo do chefe do tráfico de drogas na favela em que moravam. David e Marcos Paulo eram órfãos. Ambos foram criados graças à solidariedade de vizinhos e parentes. "A mãe do Marcos tinha sérios distúrbios mentais. Não sabia quem era o pai dele. Um dia deixou o bebê e virou mendiga na Central do Brasil, onde está até hoje", contou a mãe adotiva do rapaz, a doméstica Maria de Fátima, de 48 anos. Além dele, ela criou outras seis crianças que estavam em situação de abandono na favela. "O triste é que ele sonhava em entrar para o Exército para ajudar os irmãos", lamenta Maria. Ela nega qualquer ligação do rapaz com o tráfico. As ligações dele com o primo, filho de uma irmã da mãe biológica que ainda mora na favela, foram mantidas em segredo durante toda a semana pelos familiares das vítimas e reveladas apenas por testemunhas que presenciaram a discussão entre os rapazes e os soldados. Outro aspirante a pedreiro da obra comandada pelo Exército, David da Silva também era órfão. Quando criança, a mãe saiu de casa e foi morar com outro homem em Quintino, no subúrbio do Rio. Arrasado, o pai, que era vendedor de uma próspera loja de sapatos, entregou-se a bebida e tornou-se mendigo. Anos depois, foi encontrado morto em uma rua da zona norte do Rio. "O David era muito namorador e tinha uma filha de 6 anos. Ele queria ser professor de Educação Física e já estava no 3º ano do ensino médio. Nunca teve problemas com a polícia", elogiou Benedita Florêncio Monteiro, de 68 anos, avó paterna, que criou o rapaz. Ela afirma não ter conhecimento das passagens do neto pela polícia por porte de arma e corrupção de menor. "Isso aconteceu há dois anos. Era uma namorada que ele levava em uma casa abandonada lá no Morro do Valongo (zona portuária). A polícia encontrou cápsulas deflagradas, mas nada ficou provado contra ele. Cheguei a visitá-lo na carceragem da Polinter onde ele ficou por duas semanas e foi liberado", disse a moradora da Providência Ísis de Almeida Guimarães, de 64 anos, que se identifica como "avó de criação" do rapaz. PAGODE, FUNK E BRINCADEIRAS Entre os três, apenas Wellington conheceu os pais biológicos. Com a imagem de brincalhão entre os moradores, ele justificava sua opção pelos estudos afirmando que não queria "carregar letras no caixão", conforme lembra a mãe, Líliam Gonzaga, de 43 anos. "Estudar não era com ele. O negócio dele era dançar pagode e funk, mas era muito prestativo." Conhecido como Negão pelos moradores e descrito por todos como carismático, ele havia se tornado recentemente agente social na Vila Olímpica da Gamboa, aos pés do morro. "Ele sempre puxava as brincadeiras quando era aluno. Como ia trabalhar nas obras do Cimento Social, se tornou agente com a missão de atrair os jovens para o esporte", recorda o professor de Educação Física Claudiney Pereira, de 30 anos. Ex-entregador de pizza e balconista de uma papelaria, Wellington foi detido pela polícia quando ainda era menor, aos 15 anos, na frente da Central do Brasil. "Ele foi detido por um policial com um celular e recebeu duas ligações de homens apontados na época como gerentes do tráfico na Providência. Foi levado para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente e liberado", diz um policial da 4ª Delegacia de Policia, que fez a prisão. Amigos e familiares contam outra versão. "Ele estava na rua e pegou o celular. Era de um traficante. Na época, o delegado até se desculpou com a família. Ele não tinha nenhuma ligação com o tráfico. Confiava tanto que deixava com ele a chave da minha casa e minha filha de 9 anos para ele tomar conta", garante a vendedora Fátima Costa, de 42.

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