Moradias vão de gruta a edifício premiado

Cracolândia abriga lugares piores; plano de 2002 da USP revitalizou União

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Por Bruno Paes Manso
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São 17 horas na Rua Helvétia, um dos pontos principais da Cracolândia. Cento e sessenta pessoas estão perfiladas com as mãos na cabeça diante de um muro - a revista da Polícia Militar procura por drogas. Bem na frente da confusão, nota-se um casarão construído nos anos 70, que abriga 13 famílias encortiçadas. A entrada escura e o forte cheiro de umidade fazem o local parecer uma gruta. Diante da escada íngreme que dá acesso à residência, o técnico da Secretaria da Habitação avisa: "Vamos entrar sem avisar. Temos o corpo fechado." Na escuridão, Libânio Clementino de Jesus, de 47 anos, recebe a visita inesperada. Os funcionários da Prefeitura se surpreendem com as péssimas condições. Há fios expostos perto de água e um barraco, sustentado por duas vigas de madeira, fica suspenso em um corredor, ameaçando despencar na cabeça dos que passam. Quatro crianças chegam para saber o que se passa. O antigo proprietário do imóvel não aparece há sete anos, o que garante aos moradores atuais a isenção de aluguel. "Tomo oito remédios todo dia. Trabalho como ambulante. É o único lugar que temos para continuar no centro", explica Libânio. Aparentemente insolúvel, a reversão de condições igualmente desfavoráveis de um cortiço na região central rendeu no ano passado um prêmio de US$ 100 mil para a iniciativa bem-sucedida durante o UrbanAge, conferência mundial sobre megacidades. O cortiço da Rua Solon, no Bom Retiro, havia sido abandonado pelos construtores nos anos 70 e depois negociado informalmente pelo zelador para os sem-teto que buscavam moradia na região central. Nas décadas seguintes, cerca de 72 famílias viveram precariamente em apartamentos mal-acabados, com rede elétrica improvisada, sob o risco permanente de incêndio e de despejo. Em 2002, a então professora de Habitação Popular na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Maria Ruth Amaral de Sampaio consultou os moradores do cortiço para levar alunos para estudar as condições de residência. Da troca de experiências entre estudantes, professores e moradores, iniciou-se um relacionamento que impulsionou o movimento de melhoria na estrutura física do prédio e na situação jurídica dos habitantes, cujos problemas vêm sendo resolvidos aos poucos. Com a implementação de mudanças graduais, o cortiço da Rua Solon virou o Edifício União. Atualmente, depois de uma ação de usucapião coletivo, instrumento previsto no Estatuto da Cidade, os moradores estão prestes a receber a posse dos apartamentos. O dinheiro do prêmio vai ser destinado para mais benfeitorias. "O Edifício União foi uma solução que se mostrou eficiente porque contou com esforços conjuntos. Caso haja mobilização, outros podem seguir o mesmo caminho", afirma a professora Maria Ruth.

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