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Moradores da Rocinha não se surpreendem com a chegada de militares

Chegada de centenas de soldados do Exército à favela deixa os moradores indiferentes; 'Já vi isso tantas vezes que já me acostumei'

Por Fabio Grellet
Atualização:

RIO - A movimentação das forças de segurança que chegaram na tarde desta sexta-feira (22) à favela da Rocinha, na zona sul do Rio, pode espantar moradores de outras cidades ou de bairros mais valorizados do Rio, mas não causa nenhuma surpresa a quem vive nessa comunidade. "Já vi isso tantas vezes que já me acostumei", conta o eletricista Carlos, de 34 anos, morador da parte baixa da favela. Com outros três amigos, ele assistia à chegada dos militares acomodado numa cadeira de plástico, enquanto bebia cerveja (Itaipava, a R$ 6,99) e beliscava uma porção de batatas fritas (R$ 12) em um bar tão movimentado quanto precário situado à margem da Auto Estrada Lagoa-Barra. Atrês metros dele, uma placa trilíngue instalada há anos anuncia, com letras coloridas: "Bem-vindo/ Welcome/Bienvenido Rocinha". 

A movimentação das forças de segurança que chegaram na tarde desta sexta-feira (22) à favela da Rocinha, na zona sul do Rio, pode espantar moradores de outras cidades ou de bairros mais valorizados do Rio, mas não causa nenhuma surpresa a quem vive nessa comunidade. Foto: Wilton Junior / Estadão

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"Ruim foram esses últimos dias, quando teve tiro a noite inteira. Agora vem aquela parte da polícia entrar, os traficantes fogem e a situação se acalma até o próximo capítulo", previa Carlos, enquanto via a si próprio pela TV, ao fundo numa imagem geral exibida pela Globo. Ao final da participação ao vivo do repórter, burburinho e brincadeiras: "Vai virar ator da novela das nove, hein?", ironizavam conhecidos do eletricista. "Tá vendo, ainda vou ficar famoso", emendou Carlos, enquanto um de seus colegas, que preferiu não se identificar, completa: "Em Ipanema e na Barra (da Tijuca) a galera toma cerveja vendo mulher bonita na praia. Aqui a gente vê os milicos passando com tanques de guerra". 

Enquanto centenas de militares chegavam à Rocinha, em grupos de pelo menos 20, e se dirigiam aos principais acessos da favela, às 17h30 desta sexta-feira centenas de moradores da Rocinha chegavam após mais um dia de trabalho. Outros começavam a labuta, como Márcio, de 43 anos, que esquentava uma churrasqueira para começar a vender espetinhos de carne a R$ 3 cada. "Espero que volte ao normal. Nos últimos dias ninguém queria parar, todo mundo ficou assustado", avaliou.

"A gente não devia se acostumar com isso, porque indica que alguma coisa está muito errada, mas vivemos assim, de tiroteio em tiroteio, operação em operação", afirma a faxineira Maria Helena, de 59 anos, 28 deles vividos na Rocinha. "Um tempo melhora, outro piora, mas tranquilo mesmo nunca foi", diz.

Intenso tiroteio

A Rocinha vive um intenso tiroteio desde a manhã desta sexta-feira, 22. Desde às 5 horas, a Polícia Militar realiza uma grande operação na Rocinha, em busca do chefe do tráfico da região, Rogério Avelino, o Rogério 157 (mais informações abaixo). Por volta das 8 horas, um grupo de menores incendiou um ônibus na subida da Avenida Niemeyer, em São Conrado, segundo a Polícia Militar. As chamas foram controladas sem ser necessário o acionamento do Corpo de Bombeiros para o local.

Por volta das 9h30, criminosos atacaram a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Rua 2. Houve confronto, e um morador foi ferido e socorrido ao Hospital Miguel Couto. Os criminosos deram tiros a partir da área de mata acima do Túnel Zuzu Angel. Seus alvos eram as guarnições policiais que realizavam o cerco à comunidade. Os criminosos chegaram a jogar uma bomba contra policiais da UPP e do 23º Batalhão (Leblon). O artefato não explodiu, e o Esquadrão Anti-bombas da Polícia Civil foi acionado para o local.

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Houve confrontos com os criminosos na área de mata. Há policiais do Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) na região. Todos os acessos da favela estão cercados pela polícia. Um veículo blindado dá apoio aos policiais. Por volta das 10 horas, a Estrada Lagoa-Barra foi interditada, em ambos os sentidos, assim como o túnel Rafael Mascarenhas.

Policiais do 23ºBPM (Leblon) reforçaram o policiamento nos arredores de São Conrado em função de devido a informações do setor de inteligência e do Disque Denúncia informando que menores teriam sido orientados por criminosos a atear fogo em ônibus. O objetivo seria a desviar atenção dos policiais do cerco da Rocinha.

Os colégios públicos e particulares que ficam na região fecharam. O Centro de Operações de trânsito avisou que “devido à operação policial, a recomendação é EVITAR a região e optar por vias de ligação entre a zona sul e a zona oeste, como o Alto da Boa Vista, a Linha Amarela ou a Estrada Grajaú-Jacarepaguá”.

Veja vídeos de moradores que registraram o tiroteio:

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Entenda o que desencadeou a onda de violência na Rocinha

A atual onda de intensos tiroteios na Rocinha começou no domingo passado, 17, quando o chefe do tráfico de drogas no morro, Rogério Avelino da Silva, conhecido como Rogério 157, se desentendeu com o seu antecessor, Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, preso desde 2011. No domingo, os tiroteios deixaram um morto.

Nem estaria insatisfeito com a atuação de Rogério 157 e teria tentado expulsar o seu grupo da favela, por meio de ordens dadas de dentro da prisão. A relação pode ter piorado depois da união da ADA com a facção paulista PCC. Já Rogério teria matado aliados de seu antecessor e mandado expulsar Danúbia de Souza Rangel, mulher de Nem, do morro.

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Em represália, Nem teria incitado criminosos da ADA de outros morros, como Vila Vintém, Morro dos Macacos e São Carlos a tentar retomar a favela. A tentativa, porém, foi frustrada, e Rogério continua no alto do morro, segundo informações da Polícia. Danúbia, que é foragida e ostenta alto poder aquisitivo nas redes sociais, também estaria no local. Os dois corpos carbonizados encontrados pela polícia seriam do grupo de Rogério.

Na segunda-feira, 18, o porta-voz da Polícia Militar do Rio, major Ivan Blaz, e o delegado-titular da 11ª DP (Rocinha), Antônio Ricardo, admitiram que sabiam que poderia haver confronto entre traficantes na Rocinha no dia anterior.Blaz afirmou que a Polícia Militar não agiu com mais força para acabar com o confronto porque a intervenção poderia vitimar moradores. Já Ricardo acrescentou que não sabia que o confronto, que durou cinco horas, "seria desta proporção".

Na quarta-feira, 20, o governador do Rio afirmou que soube na madrugada do domingo que haveria confronto entre traficantes e pediu que a polícia não interviesse, o que causou polêmica. 

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