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Morre filho de criadores de seita que proíbe amamentação

Pais foram indiciados nesta terça-feira em Manaus por maus tratos ao bebê

Por Agencia Estado
Atualização:

Um bebê morreu no domingo, 25, com graves sinais de desnutrição por conta da crença dos pais, criadores de uma seita, a "Aliança Eterna", que prega a não doação de sangue e de leite humano da mãe para o filho. A criança de quatro meses morreu na casa onde morava com os pais, Francisco Ferreira de Souza, de 43 anos, e Emedir Rodrigues da Silva, de 31, e foi levada ao Instituto Médico-Legal (IML) segundo um dos legistas com a aparência e peso de um "feto de seis, sete meses abortado". O casal foi indiciado nesta terça-feira, 27, na Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente em Manaus por maus tratos ao bebê. Francisco e Emedir têm ainda três filhos, duas meninas de 10 e 12 anos e um menino de dois. A denúncia da morte do bebê e de que era não era alimentado adequadamente foi de vizinhos. A causa mortis da criança, de acordo com a necrópsia do IML, foi asfixia por bronco-aspiração, ou seja, ele morreu sufocado pelo próprio vômito. De acordo com a delegada titular Linda Gláucia Moraes, em cinco anos na delegacia, ela não havia ficado tão chocada com um crime. "O corpinho do bebê era de dar pena e os depoimentos inacreditáveis: uma mãe dizendo que não podia dar leite ao bebê porque era como dar seu sangue e sua religião não permitia", disse. Emedir, segundo a delegada, negou que maltratasse o filho e que, se ele tinha morrido, seria "por vontade de Deus". O mais grave, para a delegada, era que o casal não tinha condições financeiras para comprar leite para bebês. "Assim, a criança morta era alimentada com uma espécie de mingau com água e trigo ou farinha de mandioca, segundo a mãe". O casal poderá perder a guarda dos três filhos à Justiça. Na segunda-feira, 26, os três foram encaminhados à Central de Resgate da Criança e Adolescente da Zona Oeste de Manaus, no bairro da periferia onde mora o casal. A medida, segundo a delegada, foi necessária para resguardar a integridade das crianças. Além dos possíveis maus tratos aos três foi descoberto que os dois mais velhos nunca freqüentaram a escola e são analfabetos. A delegada comunicou a ocorrência ao juiz da Infância e Juventude do Amazonas, Rafael Romano, ao Conselho Tutelar da Zona-Oeste, e ao Ministério Público do Estado. Pureza A reportagem do Estado foi nesta terça até a casa dos pais da criança. Dizendo ser Emedir, ao ouvir a identificação da reportagem, uma voz feminina atrás da porta gritou que "não iria conversar com gente que não entendia a linguagem da pureza". Uma vizinha afirmou que teria sido uma das denunciantes do crime contra o bebê. "As crianças maiores não podem brincar com as outras crianças, não vão à escola, não têm televisão, rádio ou livros em casa. Não podem ficar com os pais, que saem todas as noites para o culto deles e deixam os filhos trancados", disse. Segundo ela, o culto à seita fundada há dez anos por Francisco não tinha muitos seguidores no bairro, mas reunia muitas pessoas em um barracão próximo à casa. "Inclusive gente com carrões importados", contou. De acordo com ela, os vizinhos agora lamentam não ter feito a denúncia antes. "Nós (a vizinhança) não agüentávamos mais ouvir o bebê chorando de fome e os maiores chorando baixinho".

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