Mudança do ECA atinge 2,8% dos infratores detidos em São Paulo
Total de adolescentes que seriam alcançados pela alteração do estatuto é maior do que os afetados pela PEC da Câmara
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Por Marco Antônio Carvalho
Atualização:
SÃO PAULO - A proposta aprovada nesta terça-feira, 14, no Senado impõe punição para um universo maior de adolescentes em comparação com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara dos Deputados. Os senadores aprovaram aumento do tempo de internação para todos os jovens, entre 12 e 17 anos, envolvidos com crimes hediondos e homicídios simples, enquanto a Câmara quer punir como adultos apenas os adolescentes de 16 e 17 anos flagrados em atos da mesma natureza, mais casos de lesões corporais graves.
A lei que avançou no Senado corresponde ao perfil de 2,8% dos adolescentes condenados na Comarca de São Paulo. A PEC da Câmara atingiria 2% dos menores.
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A proporção foi feita com base em levantamento do Ministério Público Estadual (MPE) em 4.980 processos de execução de medida socioeducativa na capital paulista. A análise mostrou que, dentre os casos hediondos cometidos por todo os adolescentes, o mais comum, com 36% das ocorrências, foi o latrocínio (roubo seguido de morte). Houve ainda registro de casos estupro de vulnerável e homicídio qualificado.
Por meio da análise dos processos, o MPE conseguiu constatar ainda que o período médio de internação não ultrapassa 1 ano, mesmo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permitindo que se restrinja a liberdade do jovem por até 3 anos. Nos casos estudados em São Paulo, 87,5% não ultrapassaram 12 meses no cumprimento da medida de internação.
Maioridade penal pelo mundo
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Alemanha
Na Alemanha, a idade de responsabilização penal juvenil é de 14 anos, com legislação específica.De 18 a 21 anos,adota-se um"sistema de jovens adultos"... Foto: Luke Ma/FlickrMais
Argentina
O sistema argentino é tutelar. A Lei N° 23.849 e o Art. 75 da Constituição Argentinapreveem, a partir dos 16 anos, adolescentes podem ser privados de ... Foto: Longhorndave/FlickrMais
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Na Argélia, o adolescente entre13 e16 anosestá sujeito a uma "sanção educativa". Pode haver,como exceção, uma pena atenuada que dependeráde uma anális... Foto: Guadalupe Cervilla/FlickrMais
Áustria
O sistema jurídico da Áustria prevê a aplicação da Lei de Justiça Juvenil (JGG)até os 19 anos. Dessa idade até os21 anos, as penas são atenuadas em re... Foto: Emmanuel Dyan/FlickrMais
Bélgica
Por ser tutelar, osistema belga não admite responsabilização penalabaixo dos 18 anos. Entretanto, após os 16 anos,alguns tipos de delito (como os de t... Foto: Vincent Desjardins/FlickrMais
Canadá
O ordenamento jurídico do Canadápermite que, em crimes de extrema gravidade, jáa partir dos 14 anos, o jovem seja julgado pela Justiça comum e recebas... Foto: Alex Indigo/FlickrMais
Colômbia
O Plano Democracia é umdispositivo com o qual vários órgãos do governo colaboram para que as eleições colombianas sejam seguras Foto: Luz Adriana Villa/Flickr
Chile
No Chile, a"Lei de Responsabilidade Penal de Adolescentes" prevê responsabilidadedos 14 aos 18 anos - apesar disso, é comum queos adolescentes somente... Foto: Javier Vieras/FlickrMais
Escócia
Na Escócia, os adolescentes estão submetidos a um sistema de jovens adultos similar ao alemão até os 21 anos. Foto: Dave Conner/Flickr
Espanha
A maioridade penal naEspanha é de 18 anos. Além disso, o ordenamento jurídico do paístambém prevêum "sistema de jovens adultos",para a faixa dos 18 ao... Foto: Rick Ligthelm/FlickrMais
Estados Unidos
Na maioria dos estados norte-americanos,adolescentes maiores de 12 anos podem ser submetidos às mesmas penas e procedimentosdos adultos, com a imposiç... Foto: Harold Navarro/FlickrMais
França
Na França, os jovens de13 a18 anos tempresunção relativa de irresponsabilidade penal. Apesar disso, quando demonstradodiscernimento e estabelecida a p... Foto: Dennis Jarvis/FlickrMais
Grécia
Na Grécia, os adolescentes de 18 a 21 anos estão submetidos a um sistema de jovens adultos similar ao alemão. Foto: Dennis Jarvis/Flickr
Inglaterra e País de Gales
A responsabilidade penal começa aos 10 anos, entretanto a privação de liberdade somente é admitida após os 15. Entre 10 e 14 anos, existem medidas esp... Foto: Hernán Piñera/FlickrMais
Itália
O ordenamento jurídico italiano prevê um sistema de jovens adultos até os 21 anos. Foto: Moyan Brenn/Flickr
Japão
A lei juvenil japonesa fixaa maioridade penal aos 21 anos; a partir dos 14 anos há medidas especiais.De acordo com o Unicef, a lei é uma das mais ampl... Foto: Moyan Brenn/FlickrMais
México
Os estados mexicanos possuem legislações próprias, mas, em geral, aidade de início da responsabilidade juvenil mexicana é aos 11 anos. A maioridade pe... Foto: Aloud/FlickrMais
Polônia
O ordenamento jurídico polonês prevê um sistema de jovens adultos até 18 anos. Foto: Dennis Jarvis/Flickr
Portugal
O ordenamento jurídico português prevê um sistema de jovens adultos até 21anos. Foto: Sbastien Bertrand/Flickr
Rússia
Apenas a prática de delitos graves prevê aresponsabilidade penal fixada aos 14 anos. Para outros crimes, a idade é de16 anos. Foto: Dennis Jarvis/Flickr
Venezuela
Na Venezuela, podem ser aplicadas sanções especiais para jovens de 12 até 17anos. Entretanto, para as faixas de 12 a 14 asmedidas privativas de liberd... Foto: ruurmo/FlickrMais
O tempo em que o adolescente fica internado é determinado em cada caso pelo juízo da Infância competente, levando-se em consideração a gravidade do ato infracional e eventual reincidência do adolescente.
Para o promotor da Infância Tiago de Toledo Rodrigues, a proposta que está no Senado não surtirá os efeitos esperados. “Vejo como uma proposta de pouquíssima eficácia e que dificilmente trará as soluções que a população precisa”, disse.
Rodrigues pede pelo estabelecimento de um tempo mínimo necessário antes da reavaliação da internação do adolescente, que hoje não existe. As medidas impostas aos jovens podem ser revisadas a qualquer momento, inclusive para conceder liberdade, independentemente do ato praticado. “O tempo máximo de internação dificilmente é aproveitado atualmente. Então, o prolongamento desse prazo surtirá pouquíssimo efeito.”
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O promotor, que também é contrário à redução da maioridade, pede o cumprimento do que já está previsto no ECA. “É necessário que se cumpra o que foi planejado para, a partir disso, se analisar os resultados. Não sou contra quaisquer alterações, mas antes temos de implantar o que está previsto em lei e, depois, partir para essa discussão”, acrescentou.
Punição. Para o coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, criou-se uma falsa ideia de que o prolongamento do tempo de internação seria menos grave do que a redução da maioridade penal. “Nas últimas semanas, até setores progressistas embarcaram nessa ideia, o que a gente acha bastante discutível. É uma punição desproporcional que pode até fazer com que um adolescente passe mais tempo internado do que um adulto preso pelo mesmo crime”, disse.
Ele reforçou a crítica à aprovação e comentou o fato de a discussão ocorrer em meio à comemoração dos 25 anos do ECA, celebrados nesta semana. “A Câmara deu uma resposta e o Senado deu outra para o que acreditam ser uma forma de combate à criminalidade, quando, na verdade, a juventude brasileira é muito mais vítima do que autora dessa violência. O endurecimento das penas dos jovens é uma medida demagógica e que representa retrocesso”, disse Custódio.