Mudança do ECA atinge 2,8% dos infratores detidos em São Paulo

Total de adolescentes que seriam alcançados pela alteração do estatuto é maior do que os afetados pela PEC da Câmara

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Por Marco Antônio Carvalho
Atualização:

SÃO PAULO - A proposta aprovada nesta terça-feira, 14, no Senado impõe punição para um universo maior de adolescentes em comparação com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara dos Deputados. Os senadores aprovaram aumento do tempo de internação para todos os jovens, entre 12 e 17 anos, envolvidos com crimes hediondos e homicídios simples, enquanto a Câmara quer punir como adultos apenas os adolescentes de 16 e 17 anos flagrados em atos da mesma natureza, mais casos de lesões corporais graves.

A lei que avançou no Senado corresponde ao perfil de 2,8% dos adolescentes condenados na Comarca de São Paulo. A PEC da Câmara atingiria 2% dos menores.

Do total de jovens internados, 96% têm defasagem idade-série escolar e mais de 30% haviam abandonado a escola meses antes do ato infracional. Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

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A proporção foi feita com base em levantamento do Ministério Público Estadual (MPE) em 4.980 processos de execução de medida socioeducativa na capital paulista. A análise mostrou que, dentre os casos hediondos cometidos por todo os adolescentes, o mais comum, com 36% das ocorrências, foi o latrocínio (roubo seguido de morte). Houve ainda registro de casos estupro de vulnerável e homicídio qualificado.

Por meio da análise dos processos, o MPE conseguiu constatar ainda que o período médio de internação não ultrapassa 1 ano, mesmo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) permitindo que se restrinja a liberdade do jovem por até 3 anos. Nos casos estudados em São Paulo, 87,5% não ultrapassaram 12 meses no cumprimento da medida de internação.

O tempo em que o adolescente fica internado é determinado em cada caso pelo juízo da Infância competente, levando-se em consideração a gravidade do ato infracional e eventual reincidência do adolescente.

Para o promotor da Infância Tiago de Toledo Rodrigues, a proposta que está no Senado não surtirá os efeitos esperados. “Vejo como uma proposta de pouquíssima eficácia e que dificilmente trará as soluções que a população precisa”, disse.

Rodrigues pede pelo estabelecimento de um tempo mínimo necessário antes da reavaliação da internação do adolescente, que hoje não existe. As medidas impostas aos jovens podem ser revisadas a qualquer momento, inclusive para conceder liberdade, independentemente do ato praticado. “O tempo máximo de internação dificilmente é aproveitado atualmente. Então, o prolongamento desse prazo surtirá pouquíssimo efeito.”

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O promotor, que também é contrário à redução da maioridade, pede o cumprimento do que já está previsto no ECA. “É necessário que se cumpra o que foi planejado para, a partir disso, se analisar os resultados. Não sou contra quaisquer alterações, mas antes temos de implantar o que está previsto em lei e, depois, partir para essa discussão”, acrescentou. 

Punição. Para o coordenador do programa de Justiça da ONG Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, criou-se uma falsa ideia de que o prolongamento do tempo de internação seria menos grave do que a redução da maioridade penal. “Nas últimas semanas, até setores progressistas embarcaram nessa ideia, o que a gente acha bastante discutível. É uma punição desproporcional que pode até fazer com que um adolescente passe mais tempo internado do que um adulto preso pelo mesmo crime”, disse.

Ele reforçou a crítica à aprovação e comentou o fato de a discussão ocorrer em meio à comemoração dos 25 anos do ECA, celebrados nesta semana. “A Câmara deu uma resposta e o Senado deu outra para o que acreditam ser uma forma de combate à criminalidade, quando, na verdade, a juventude brasileira é muito mais vítima do que autora dessa violência. O endurecimento das penas dos jovens é uma medida demagógica e que representa retrocesso”, disse Custódio.

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