Mutirão liberta 1,2 mil em 4 Estados

Maioria dos beneficiados é de detentos provisórios, alguns presos há meses apenas por roubar uma margarina

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Por Felipe Recondo e BRASÍLIA
Atualização:

Entre as frases mais ouvidas nos presídios estão: "Eu tenho direito a benefício" e "Já cumpri a minha pena". De tão repetidas, tornaram-se banais. Os mutirões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em oito presídios do Maranhão e dois do Rio mostraram que, em muitos casos, o que parece ladainha de preso tem fundamento. Os casos encontrados reforçam a estatística do CNJ de que 30% dos 400 mil presidiários no Brasil estão em situação irregular. Deveriam estar livres. No total, até sexta-feira, 1.234 presos foram libertados pelo mutirão nos Estados do Pará, Piauí, Rio e Maranhão. O número equivale à população carcerária de três presídios de porte médio. Só no Piauí foram liberados 365 detentos na semana passada. No Pará, os dados parciais indicavam mais 350. A maioria dos libertados é de detentos provisórios, soltos por excesso de prazo da prisão temporária. Um deles, que não teve o nome divulgado, estava preso havia cinco meses, sem condenação, por furtar um pote de margarina e uma escova de dentes. Outro, na cadeia havia um ano, tentou furtar uma garrafa de uísque. No Maranhão, havia pessoas presas há dois anos, sem que tenham sido ouvidas nem em primeira audiência. "Os mutirões não são feitos para soltar preso ou aliviar a superlotação dos presídios, mas sim para garantir a eficácia dos direitos e manter detido apenas quem deve ficar preso", explicou o juiz auxiliar da presidência do CNJ, Paulo Tamburini. Muitos ficam na cadeia por falta de defensoria pública ou porque os juízes não acompanham a execução da pena. "O Brasil precisa multiplicar as defensorias públicas. O acompanhamento da situação dos presos tem de ser permanente e integrado. Quando uma pessoa condenada chega à prisão, o Judiciário não pode lavar as mãos e dizer que aquela vida foi repassada ao Departamento Penitenciário", disse ao Estado o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ. Nos presídios do Maranhão, por onde o mutirão passou no mês passado, 335 homens estavam presos à revelia da lei. No caso mais grave, no presídio de Pedrinhas, E.M.S. foi condenado a 5 anos de prisão por tráfico de drogas, mas já estava preso havia 8. Ele foi mais um que reclamou ao diretor da penitenciária e aos carcereiros a revisão de processo. E como nenhum dos 44 defensores públicos que atuam no Estado - que tem mais de 6 milhões de habitantes - esteve no presídio nos últimos anos, E.M.S. continuaria preso. Foi solto graças à ação do mutirão, que acabou tirando do próprio bolso o dinheiro para que ele pegasse um ônibus e voltasse para casa. Outro exemplo: juízes auxiliares do CNJ não encontraram o processo de J.F.P.S, conhecido como Codó. Não sabiam nem o motivo da condenação. Foi necessário remontar o caso e descobrir que Codó foi condenado a 17 anos (o crime cometido não foi revelado). Estava preso havia 11 anos e 4 meses em regime fechado e já tinha, portanto, direito à liberdade condicional. Uma das explicações dos diretores dos presídios para a manutenção dos detentos é a falta da carta de guia de alguns. O documento traz dados do presidiário, o crime pelo qual foi condenado e o período que deveria permanecer preso. Os presídios também padecem de falta de infraestrutura. As celas não têm ventilação, o esgoto corre ao ar livre, portadores de doenças infecto-contagiosas não ficam isolados e a higiene é precária. A situação encontrada pelos juízes, promotores e defensores públicos se assemelha, de acordo com um dos participantes do projeto, à realidade do Presídio Urso Branco, em Rondônia. Em agosto, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, pediu ao STF a intervenção federal no Estado, pois Rondônia teria violado a Constituição e a Convenção Americana de Direitos Humanos. No Rio, a infraestrutura era boa e havia defensores públicos - só no complexo de Bangu há 33 deles. Mas o volume de processos para poucos juízes - apenas três magistrados cuidam de 65 mil processos, de acordo com o CNJ - faz os casos de prisão irregular se repetirem. EMPREGO Cabe aos Estados promover concursos para a contratação de defensores e garantir que os encarcerados sejam levados às varas para audiências. Ao Judiciário, admitem juízes, cabe a responsabilidade pela análise dos casos e a execução das penas. "Depois dos mutirões, vamos lançar um apelo à sociedade para que se comprometa com o destino dos encarcerados que têm o direito de deixar a prisão. É precisar prover emprego e outros atendimentos sociais", afirma Gilmar Mendes.

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